Nas primeiras horas daquela quinta-feira, 18 de junho de 1908, 781 japoneses desembarcaram no cais do armazém 14 do porto de Santos, após 52 dias a bordo do navio Kasato Maru, carregados de sonhos de uma vida melhor. A situação não era nada boa no país do extremo oriente, no início do século 20.
Época da chamada Era Meiji, na qual o império japonês se reorganizou, dando fim a uma época feudal marcada por senhores (os shoguns) que impunham seu domínio na base da força e iniciando um processo de industrialização do arquipélago nipônico. Mas, como efeito colateral, ocorreu um êxodo gigantesco das áreas rurais para os grandes centros urbanos que se formavam, como Tokio e Osaka, que ficaram superlotados.
Nas províncias rurais, a situação não era melhor. “O estado passou a ter toda a detenção da produção e isso causou a escassez, principalmente no sul, como na região de Okinawa, de onde veio a maioria dos imigrantes para o Brasil. Eles passavam fome porque toda a produção o governo acabava confiscando. Essa situação levou ao processo de imigração”, explica o presidente da Associação Japonesa de Santos, Sadao Nakai.
Os primeiros ciclos migratórios foram para os Estados Unidos, Japão, México e Peru. Em seguida, para outros países como o Brasil. As primeiras 165 famílias chegaram em 18 de junho 1908, nos dez anos seguintes era um total de 15 mil imigrantes e, entre 1918 e 1940, o Brasil recebeu outros 160 mil japoneses. Hoje, são cerca de 1,5 milhão de japoneses (a maior população nipônica fora do Japão), sendo 1 milhão vivendo no estado de São Paulo — 500 mil na capital, concentrados no bairro da Liberdade e arredores.
Ilusões perdidas
A primeira leva de japonesas foi atraída por promessas tentadoras para trabalhar nas fazendas de café no interior de São Paulo e no Paraná. “A promessa de ganhos fartos não se concretizou. Ao contrário, era um sistema de escravidão”, revela o historiador Rafael Silva e Silva, autor do livro “A história da educação japonesa na Baixada Santista”.
Os japoneses trabalhavam muito e ganhavam pouco, e eram obrigados a comprar tudo o que consumiam dos fazendeiros, além da dívida relativa à viagem do país de origem para o Brasil.
Além disso, muitos daqueles que emigraram não tinham experiência em lavoura, e sim na pesca. É o caso da colônia de Santos, boa parte oriunda de Okinawa. “Fugiam à noite”, completa.
Além da pesca, os japoneses também trabalharam na ampliação do Porto de Santos e na instalação de chácaras, cultivando verduras em bairros na época considerados zona rural, como Marapé, Campo Grande e Saboó. “Naquela época, Santos era uma cidade com sérios problemas com abastecimento de alimentos, então eles contribuíram bastante com a horticultura”, diz Silva e Silva.
“Os japoneses ocuparam uma atividade que tinha carência. Não eram espécies que as pessoas tinham hábito, além do pescado em escala maior. Trouxeram esta tecnologia do Japão. Isso deu uma interação com a sociedade santista. Por exemplo, mitos feirantes hoje são descendentes de japoneses porque ainda existe esta cultura”, afirma Sadao Nakai.
Os japoneses encontraram algumas dificuldades de adaptação, principalmente o idioma e os hábitos alimentares. No processo de interação com os demais moradores da cidade, passaram a realizar eventos nos clubes que criaram para agregar os integrantes da comunidade nipônica, como o Atlanta e o Estrela de Ouro: Festa da Tainha, Undokai (festival esportivo), Bukasai (festival cultural) e Keirokai (festival para valorização dos idosos).
Guerra e volta à estaca zero
Com o início da Segunda Guerra Mundial, o Brasil rompeu relações diplomáticas com os países que integravam o chamado Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e passou a impor sanções aos japoneses no Brasil. Entre elas, o confisco de bens e o aprisionamento em 11 campos de concentração espalhados pelo país. Os locais não tinham as atrocidades cometidas pelos nazistas na Europa, mas a vida dos japoneses não era fácil. “Na era Vargas, havia um forte sentimento de nacionalismo e, por isso, os japoneses eram considerados inimigos. Se fosse flagrado falando outro idioma era preso”.
Os integrantes das colônias em Santos foram obrigados a sair de Santos em 24 horas, porque o litoral foi considerado área de segurança nacional. Então, os japoneses venderam tudo, a um preço muito menor do que seus bens valiam.
Com o fim da guerra, os japoneses no Brasil precisaram recomeçar a vida praticamente do zero. “Foi um período muito difícil”, diz Sadao.
A escola é um templo
Foi justamente neste período (1943) que o imóvel que abrigava a Escola Japonesa de Santos foi confiscado e entregue ao Exército Brasileiro.
Ao longo dos anos, travou-se uma cansativa batalha para reaver o imóvel, o que acabou acontecendo apenas em 2018. “Foi uma epopeia, talvez tão grande quanto a vinda dos japoneses para o Brasil”.
Silva e Silva destaca a importância da Escola Japonesa. “Quando vão morar em outros países, outras etnias fundam igrejas, os japoneses fundam escolas. Era todo o coração da colônia era ali, as festividades e as discussões ocorriam ali. A escola sempre um papel muito importante na caracterização de uma colônia japonesa”.
As contribuições da cultura japonesa
Alimentação- Diversos pratos caíram no paladar brasileiro devido ao sabor e à nutritividade; temaki, sushi, sashimi, guioza, missoshiro, harumaki, sunomono…
Esportes- Além de serem muito eficientes como defesa pessoal, Judô e karatê são modalidades que difundem valores como disciplina, respeito, concentração e cooperação.
Saúde- Fundamentos da medicina tradicional japonesa (kampo), que se baseia no uso de ervas, vem sendo cada vez mais usada em associação com a medicina ocidental. Outras técnicas orientais que japoneses ajudaram a difundir no Brasil são acupuntura, shiatsu e tui-ná.
Arte- origami, cerâmica, quadrinhos (mangás), pintura, bonsai, ideogramas, uso de bambu no artesanato.