Fronteiras da Ciência

Brincadeira

27/03/2014
Brincadeira | Jornal da Orla
Certa vez, trabalhei em uma pequena empresa de engenharia. Foi lá que fiquei conhecendo um rapaz chamado Mauro. Ele era grandalhão e gostava de pregar peças nos outros. Havia também o Ernani, que era quieto e costumava comer o seu lanche sozinho, num canto da sala. Ele não participava das brincadeiras que fazíamos após o almoço, sendo que, ao terminar a refeição, sempre sentava sozinho debaixo de uma árvore mais distante. 
 
Devido a esse seu comportamento, Ernani era o alvo natural das brincadeiras e piadas do grupo. Ora ele encontrava um sapo na marmita, ora um rato morto em seu chapéu. E o que achávamos mais incrível é que ele sempre aceitava aquilo sem ficar bravo. 
 
Em um feriado prolongado, Mauro resolveu ir pescar no Pantanal. Ao retornar, trouxe vários peixes e dividiu-os em pacotes, para distribuir aos colegas. Mas ele queria “pregar uma peça” no Ernani e, no pacote que daria a ele, colocou espinhas, peles e vísceras. 
 
Mauro então distribuiu os pacotes no horário do almoço. Cada um de nós, que ia abrindo o seu pacote contendo uma bela porção de peixe, então dizia: “Obrigado!”
 
Mas o maior pacote de todos, ele deixou por último – era para o Ernani. Todos nós já estávamos quase explodindo de vontade de rir. 
 
O que aconteceu a seguir nos pegou de surpresa. Ernani pegou o pacote firmemente nas mãos e o levantou devagar, com um grande sorriso no rosto, com os olhos brilhando. “Eu sabia que você não ia se esquecer de mim”, disse, com a voz embargada. ” Você gosta de fazer brincadeiras, mas sempre soube que tem um bom coração”.
 
Ele engoliu em seco novamente, e continuou: “Eu sei que não tenho sido muito participativo com vocês, mas nunca foi por má intenção. Eu tenho cinco filhos em casa, e uma esposa inválida. E estou ciente de que ela nunca mais vai melhorar. A maior parte do meu salário tem sido para pagar médicos e remédios. Tem sido difícil colocar comida para todos na mesa. Vocês talvez achem esquisito que eu vá comer o meu almoço sozinho, num canto… Bem, é que eu fico meio envergonhado, porque na maioria das vezes eu não tenho nada para pôr no meu sanduíche. Por isso, essa porção de peixe representa, realmente, muito para mim”. Ernani interrompeu a fala para limpar as lágrimas e continuou: “Hoje à noite os meus filhos vão ter, realmente, depois de alguns anos…” E começou a abrir o pacote… 
 
Aflito, Mauro tentou pegar o pacote das mãos do Ernani. Mas era tarde demais! Ernani já tinha aberto o pacote e estava, agora, examinando cada pedaço de espinha, cada porção de pele e de vísceras, levantando cada rabo de peixe. 
Ninguém riu. 
 
E Ernani falou: “Obrigado!”. 
 
Em silêncio, um a um, cada um dos colegas pegou o seu pacote e o deu para Ernani.
 
Uma semana depois, a esposa de Ernani faleceu. Cada um de nós, daquele grupo, passou então a ajudar as cinco crianças. Graças ao grande espírito de luta que elas possuíam, todas progrediram muito. Mauro, hoje aposentado, continua fazendo brincadeiras. Entretanto, são de um tipo muito diferente: Ele organizou nove grupos de voluntários que distribuem brinquedos para crianças hospitalizadas e as entretêm com jogos, estórias e outros divertimentos.
 
[autor desconhecido]
 
PAZ, SAÚDE E PROSPERIDADE