O bolsonarismo é um fenômeno que não se limita ao governo de Jair Bolsonaro e deve ser interpretado como o resultado de um processo histórico que não se encerra com o fim deste mandato presidencial. Ele é um movimento político de extrema-direita que busca reagir a uma série de mudanças sociais importantes ocorridas no Brasil nas últimas três décadas.
A avaliação é do cientista político Rafael Medeiros, que acredita que o presidente resume a mentalidade de um grupo específico da sociedade brasileira, que agora se vê ameaçado de perder seus privilégios. “O bolsonarismo representa um Brasil que estava à beira da extinção”, explica.
“Não é à toa que Bolsonaro dizia durante sua campanha que não ia ter um centímetro demarcado territórios quilombolas ou indígenas; não é à toa que Bolsonaro sempre teve uma postura extremamente misógina; não é à toa que Bolsonaro é extremamente homofóbico”, argumenta.
Segundo o cientista político, há uma série de processos sociais de transformação, que ainda estão em curso e que são impossíveis de serem barrados, independentemente de golpes parlamentares e governos de extrema-direita.
Ele cita como exemplos a conquista de direitos por mulheres, negros, população LGBTQIA+, indígenas e populações mais pobres, que são considerados por setores específicos da sociedade brasileira como ameaça. “A elite escravocrata, majoritariamente branca, que é a elite econômica e política do Brasil, estava acastelada e agora se vê sob ameaça de perder seus privilégios”, argumenta.
Nesse sentido, Bolsonaro teve o mérito de agregar estes setores descontentes, para frear esses processos de transformação, apesar das várias contradições entre suas falas e seus atos, em temas como moral, família e religiosidade.
Mentiras e ameaças, ferramentas do bolsonarismo
Mas se Bolsonaro representa os desejos de uma parcela, embora poderosa, pequena da população, como ele conseguiu mais de 58 milhões de votos? Rafael Moreira acredita que este apoio é resultado de uma série de fatores, mas ele destaca entre os principais a gigantesca máquina de propagação de mentiras e o assédio eleitoral praticado por diversos empresários bolsonaristas de várias partes do país.
“Foi uma estrutura que levou bastante tempo para ser montada, mas que conseguiu chegar ao celular de cada um de nós. O bolsonarismo tem muita força em qualquer rede social, divulgando mensagens que disseminam o medo”. São mensagens com forte apelo emocional, em temas sensíveis como família, religiosidade, violência e corrupção.
O cientista político chama a atenção para os diversos casos de assédio eleitoral, casos em que donos de empresas coagiram empregados para que votassem em Bolsonaro. “Há vários casos sendo investigados pela Polícia Federal e o Ministério Público. A reportagem do jornalista Caco Barcelos, da TV Globo, evidenciou isso. Foi só a ponta do iceberg”.