Inclusão

Autismo em 60+: diagnóstico, uma atitude inteligente

05/04/2025 Alceu Nader
Envato

A primeira geração de crianças brasileiras diagnosticadas com TEA (Transtorno do Espectro Autista), há cerca de cinquenta anos, eram identificadas pela sigla – SA (Síndrome de Asperger), e já se encontra de cabelos brancos. As que conseguiram chegar à velhice vinham de estruturas familiares sólidas, tiveram boa retaguarda financeira e destacaram-se em suas profissões, apesar do preconceito sempre presente os considerar “esquisitos”. Muito provavelmente, fazem parte do espectro de grau 1 (com “leve” exigência de suporte), ou de grau 2 (com exigência de suporte “moderado”) e alcançaram a independência. Os de grau 3 (com exigência de suporte “severa”) ainda lutam contra o espectro, sem neutralizar sua ação destrutiva na comunicação e no trato social.

Mesmo idosos e com vida estável, as pessoas com espectro, seja grau 1 ou grau 2, não podem baixar a guarda. A neurodivergência sempre estará de vigília à espera de uma oportunidade para assumir o comando. Medidas práticas, como a de não se isolar, manter uma rotina de encontros com amigos e familiares e fazer algum tipo de exercício físico e tomar regularmente os medicamentos receitados são mais do que recomendadas.

Não há, no Brasil, acompanhamento estreito sobre o número de pessoas autistas. Adota-se entre nós, apesar das diferenças, a métrica dos Estados Unidos que aponta um neurodivergente a cada 36 recém-nascidos. Para tirar o Brasil do apagão estatístico, o IBGE promete para este ano divulgar a primeira projeção numérica sobre a incidência dos cidadãos com disfunções neurológicas. A Organização Mundial da Saúde (OMS), motivada pela celebração anual do Dia Mundial de Conscientização do Autismo no dia 2 de abril, antecipou na semana passada, com dados de 2010, que o Brasil tem cerca de 2 milhões de autistas.

Por causa da falta de informação no Brasil na maior parte do tempo, não é incomum acontecer: a mãe ou o pai de uma criança com espectro autista, ao buscar orientação para explicar a razão da dificuldade de comunicação, associada ao comportamento arredio e à difícil interação social da filha ou do filho, descobre-se que também é autista.

A revelação tardia do autismo deve-se, também, ao costume da sociedade brasileira, antes dos anos 60, de “esconder” suas crianças com transtorno neurológico. Somente a partir dos anos 70, com os primeiros diagnósticos, as barreiras foram derrubadas com maior divulgação das estratégias de suporte terapêutico, práticas médicas específicas e medicamentos neuropsicológicos que possibilitam ao autista viver minimamente em sociedade

Mas falta aos idosos um memorial para facilitar o diagnóstico. E com um grande problema. Quanto mais a idade avançar, menos familiares poderão ajudar para responder às dúvidas. Demorou muito para dizer a primeira palavra? Interagiu com outras crianças sem dificuldade? Tinha problemas em ambientes de muita luz ou som muito alto? Demonstrou inteligência incomum para uma criança da sua idade?

O passado não lhe dá respostas que poderiam ajudá-lo na velhice. Por isso, as observações de amigos e familiares sobre as mudanças do comportamento do idoso autista são muito importantes, mas devem ser avaliadas com muito cuidado. Há pelo menos vinte sintomas que podem apontar a presença do autismo em idosos (veja quadro abaixo). Somente o exame minucioso de um psicólogo, um neurologista e um psiquiatra poderá fechar o diagnóstico.

Para a pessoa diagnosticada tardiamente com TEA, saber que tem transtorno pode ser libertador e explicar muitas adversidades que teve ao longo da vida. “O diagnóstico do autismo na idade adulta, ainda que tardio, é fundamental para o autoconhecimento e desenvolvimento de autonomia. Isso, por si só, tem seu efeito terapêutico,. Ele traz um certo alívio para o paciente”, disse recentemente o neuropsicólogo Mayck Hartwig, uma referência no tema, durante conversa com o médico Dráuzio Varella.

Os idosos autistas não são necessariamente cidadãos que dependem do Estado para envelhecer com dignidade, mas 83% dos idosos dependem do SUS (Sistema Único de Saúde). Atualmente, a espera por uma consulta com um especialista no SUS é de 59 dias, um recorde. A maioria da população idosa com espectro não sabe que é autista.

Indicadores da possível presença do autismo em idosos

O autismo adulto emite sinais, mas devem ser interpretados com muito cuidado. O diagnóstico definitivo do TEA depende de análise conjunta de um neurologista, um psiquiatra e um psicólogo. Vários deles refletem hábitos e características típicas da velhice.

Hipertensão e diabetes;

Comunicação difícil – Bloqueio para iniciar ou manter uma conversa; não compreende o que os outros pensam ou sentem;

Interação confusa – custa para interpretar linguagem corporal e expressões faciais, ou para compreender ironias e metáforas;

Repetição – forte resistência para qualquer mudança de hábito;

Emoções – custa para reconhecer emoções em si mesmo e em outras pessoas;

Compreensão – compreende apenas o que é dito de maneira explícita;

Hiperfoco – quando demonstra interesse desproporcional por assuntos específicos;

Transtornos alimentares – seleção obsessiva pelos alimentos que vai consumir, frequentes manifestações alérgicas, repetição dos mesmos alimentos por tempo prolongado, surgimento da intolerância à lactose.