Na sexta-feira, 16, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) irão ouvir pesquisadores, trabalhadores e vítimas da perseguição política ocorrida no Porto de Santos durante o regime militar, a fim de estabelecer as reivindicações para a reparação dos danos decorrentes da perseguição aos trabalhadores.
A empresa, antiga Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), é sucessora da Companhia Docas de Santos (CDS), que engendrou um sistema de forte vigilância e repressão aos empregados a partir do golpe de 1964.
Segundo as investigações, a CDS arquitetou uma estrutura de monitoramento dos funcionários que se intensificou após 1966, com a criação do Departamento de Vigilância Interna (DVI) do porto. Ao assumir o comando do terminal, em 1980, a Codesp deu prosseguimento às ações repressivas, que incluíam tortura e cárcere privado.
O inquérito sobre a CDS/Codesp é um dos procedimentos que o MPF conduz a respeito da associação entre empresas e o regime militar para a perseguição política de trabalhadores. As apurações foram realizadas em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que forneceu apoio científico e metodológico. Parte dos recursos para o financiamento das atividades é oriunda do termo de ajustamento de conduta que o Ministério Público do Trabalho firmou com a Volkswagen em 2020, após investigações sobre a colaboração da montadora com a ditadura.
O encontro, promovido pelo Comitê Popular de Santos por Memória, Verdade e Justiça, terá início às 15h na sede do Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista (Sindipetro-LP), localizado na avenida Conselheiro Nébias, 248, Santos/SP.
A Autoridade Portuária de Santos, atual gestora do Porto, declarou anteriormente, por nota, que está “à disposição do MPF para contribuir na busca da verdade sobre eventuais práticas de abusos durante o período do regime militar nas empresas predecessoras da gestão do Porto de Santos (gestão privada de 90 anos, até 1980, e pública após), lembrando que o auge da questão citada ocorreu nas décadas de 1960 e 1970”.
Em maio deste ano, o MPF concluiu que o Porto de Santos colaborou com a ditadura. “Embora a atual gestão do porto não tenha sido responsável pelos atos do passado, a estatal que controla o terminal é a mesma que o administra desde 1980. Ou seja, ao menos nos cinco últimos anos da ditadura, ela teve atuação direta na repressão aos trabalhadores e, portanto, deve indenizar ou compensar esse passivo histórico”, apontou o procurador da República Ronaldo Ruffo Bartolomazi, titular do inquérito, conforme nota divulgada pelo MPF.
Segundo o Ministério Público Federal, a Companhia Docas de Santos (CDS) – antecessora da Codesp –, junto a seu proprietário, Cândido Guinle de Paula Machado, e executivos, foi uma das fundadoras e financiadoras do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), entidade que atuou no planejamento do golpe de 1964. “Ao longo dos governos militares, vários nomes de relevo do regime ditatorial figuraram na composição da diretoria e do conselho consultivo da CDS”, apontou o MPF.
As investigações revelaram que a CDS tinha uma estrutura de policiamento no Porto de Santos para monitorar todas as movimentações de seus empregados. “As ações, inicialmente preventivas, ganharam contornos de repressão principalmente a partir de 1966, quando foi criado o Departamento de Vigilância Interna (DVI)”, diz o órgão. Segundo o MPF, o DVI atuava em conluio com o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Santos e delegacias de polícia da cidade.
“Com dados fornecidos pela divisão de vigilância da CDS, os órgãos de repressão tinham condições de agir com ainda mais força contra quaisquer movimentações dos trabalhadores que pudessem contrariar a ordem ditatorial. Ao mesmo tempo, o enquadramento de empregados nos crimes previstos na Lei de Segurança Nacional permitia à empresa dispensá-los por justa causa e eximir-se de pagar os direitos trabalhistas devidos”, apontou o MPF.
Além disso, a promotoria ressalta que a tortura era prática comum nas dependências do DVI e que os trabalhadores levados para lá permaneciam incomunicáveis por horas ou dias enquanto eram submetidos a agressões físicas e psicológicas.