Significados do Judaísmo

A Vida Sofrida de Ben Abraham e Sua Jornada de Testemunho no Brasil

01/03/2023
Acervo da família Nekrycz

O escritor Ben Abraham, sobrevivente do Holocausto e presidente da Sherit Hapleitá: (associação brasileira de sobreviventes do nazismo) deixou mais de 500 estudantes mineiros em total silêncio durante as palestras que proferiu, junto com sua esposa Miriam, em escolas particulares e públicas de Belo Horizonte.

Ben Abraham era o pseudônimo do jornalista Henry Nekrycz (Ben Abraham) nasceu em Lodz em 1924. Ele não foi criado como um judeu ortodoxo, embora seu avô fosse o diretor de uma das maiores sinagogas da cidade. Seus pais não eram estritamente ortodoxos, mas ele não usava “tzitzit” ou “pejelech”. Sua família era proprietária do prédio onde moravam, em um apartamento com dois quartos.

Tinha 14 anos quando a guerra alcançou sua cidade natal.

Em 1º de setembro de 1939. Em 6 de setembro, Ben Abraham viu o pânico tomar conta de Lodz, pois todos os homens foram convocados para Varsóvia e começaram a deixar a cidade. Ao longo da estrada, podia ver multidões de pessoas desesperadas tentando chegar à capital, doentes simplesmente abandonados porque não podiam mais continuar, e os mortos que caíam pelo caminho.

Ainda antes da queda de Varsóvia, assim que os alemães chegaram a Lodz, Ben Abraham percebeu que os judeus enfrentariam severa perseguição. Eles eram pegos nas ruas e enviados para trabalhos forçados. Os líderes judeus começaram a desaparecer, assim como os artistas, os escritores e os intelectuais. Os poloneses de origem alemã invadiam as casas dos judeus, saqueavam seus bens e expulsavam seus moradores. Apesar de serem inimigos dos alemães, uniam-se a estes na perseguição contra os judeus. Algum tempo depois, certo dia seu pai chegou em casa ferido. Ele tinha sido espancado por um grupo de alemães que estava morando na vizinhança.

Em outubro, ele ouviu os primeiros rumores da criação de um gueto. Os judeus seriam transferidos para o bairro mais sujo de Lodz, Baluty, de onde a população judaica seria deportada para a Polônia central ocupada. Os judeus foram proibidos de guardar os seus dias santos e as sinagogas eram queimadas.

Seu pai ficou então muito doente e acabou morrendo, deixando Abraham somente com a mãe.

Enquanto os russos avançavam e os aliados chegavam à Normandia, os alemães ordenavam que toda a população do gueto fosse deportada para a Alemanha. Naquela altura, aqueles que ainda estavam no gueto nada sabiam sobre Treblinka, Majdanek ou outros campos de extermínio.

Certo dia, foram colocados em bondes e levados para uma via férrea, onde foram colocados em vagões de carga trancados pelo lado de fora. Os oficiais da SS disseram a eles que iriam à Alemanha para trabalhar.

Depois de algum tempo, ele e a mãe perceberam que chegavam em Auschwitz.

Ben Abraham foi separado de sua mãe assim que chegaram ao Campo. Depois de ambos chorarem convulsivamente, ordenaram que ela ficasse na fila das mulheres, depois do que partiu lentamente. Ele nunca mais a viu.

Mais da metade das pessoas que tinha desembarcado do trem foi selecionada pelo oficial Josef Mengele, para ir para algum lugar que ele desconhecia.

Algum tempo depois, diretores de fábricas alemãs vieram ao campo em busca de trabalhadores. Ben Abraham foi transferido para outro bloco, de onde seria levado a Braunschweig de trem, sendo transferido em seguida para Wochelde, que ficava a cerca de 20 quilômetros dali.

Ben Abraham havia estado em Auschwitz por duas semanas.

Em Wochelde, ele e os demais prisioneiros foram identificados por números e por um símbolo costurado em seus uniformes: um triângulo amarelo para os judeus; um triângulo vermelho para prisioneiros políticos; um triângulo rosa para os homossexuais; um triângulo preto para criminosos; e um triângulo roxo para os religiosos e para aqueles que haviam se recusado a participar da guerra. Abraham ainda passaria por vários campos de trabalho.

Em março de 1945, chegaram novas ordens: os prisioneiros deveriam ser evacuados porque os americanos estavam avançando.

Após ser libertado por tropas americanas, Ben Abraham passou dois anos recuperando-se em hospitais aliados na Alemanha. Quando a guerra acabou, ele pesava 28 quilos e sofria de tuberculose dupla, escorbuto e diarreia.

Então, no final de 1947, ele emigrou clandestinamente para Israel e serviu como motorista na Guerra da Independência, apesar de ainda estar muito fraco.

Ben Abraham veio para o Brasil em 21 de Janeiro de 1955. Em outubro, conheceu Miriam Dvora Brik, em um trem na cidade de São Paulo. Eles já haviam se visto antes. Miriam era uma sobrevivente oriunda da Ucrânia, que tinha vindo para o Brasil alguns anos antes e agora morava com seus parentes. Eles ficaram noivos em 21 de janeiro de 1956 e casaram-se três meses depois.

Em 1958, Ben Abraham naturalizou-se brasileiro.

Em 1972, Ben Abraham decidiu escrever um livro sobre sua experiência como sobrevivente. A princípio, sua esposa Miriam ficou preocupada, temendo que ele ficasse deprimido ao relembrar o passado, pois frequentemente tinha pesadelos nos quais clamava por seus entes queridos.

Relembrar e descrever as memórias teve um efeito benéfico sobre ele, como se, “por meio de seus relatos, se libertasse daquele sofrimento”. Foi quando seu primeiro livro – “… E o Mundo Silenciou” – foi publicado e ele adotou “Ben Abraham” como pseudônimo literário.

Ao longo dos anos, Ben Abraham tornou-se mais e mais envolvido com seu trabalho entre a comunidade judaica. Mais tarde tornou-se presidente da Sherit Hapleitá Brasil – a associação dos sobreviventes do nazismo – onde trabalhou para promover eventos de educação e lembrança do Holocausto.

A partir de 1980 e nos anos seguintes, o casal começou a ser convidado por escolas, faculdades, igrejas e várias outras instituições para apresentar seu testemunho como sobreviventes do Holocausto, no Brasil e no exterior. O casal estima que tenham estado em mais de 5.000 escolas, desde então.

Tanto Miriam quanto Ben Abraham costumam dizer que nunca recusam um convite para falar sobre o que aconteceu com eles durante a guerra. Eles viajaram para muitas cidades brasileiras em seu esforço para conscientizar as gerações de jovens brasileiros a respeito do Holocausto, para que este jamais se repita.

Diante de seu trabalho e quinze livros relacionados ao Holocausto, o jornalista recebeu inúmeras homenagens das quais se destacam a Chave de Ouro do Memorial Yad Vashem de Jerusalém e a Medalha de Honra ao Mérito da Universidade de São Paulo.

Ben Abraham morreu em São Paulo, dois meses antes de completar 91 anos.

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