De Auschwitz para casa: uma incrível estória do pós-guerra
Diante da iminente derrota e visando apagar os vestígios de seus crimes de guerra, os nazistas iniciaram, no limiar de 1945, o plano de desocupação dos campos de concentração. Quando havia tempo destruíam campos e prisioneiros; do contrário, abandonavam tudo à própria sorte. É a partir desses eventos que Primo Levi, a maior voz do Holocausto, relembra a libertação e a inacreditável viagem de volta ao lar em meio a uma Europa caótica que não sabia o que fazer com os numerosos egressos dos campos.
A trégua inicia-se com a chegada do exército vermelho russo em Auchswitz e segue narrando as assombrosas situações ocorridas nos meses seguintes do pós-guerra, quando os ex-detentos cruzavam o continente tentando chegar às suas casas. Tudo impressiona neste recorte autobiográfico: os prisioneiros desumanizados e confusos que não compreendiam a libertação; a marcha sem fim de retorno às pátrias por trens, estradas e cidadelas; os episódios – alguns bonitos, outros macabros – de tantos anônimos que ficaram pelo caminho, agora eternizados pela literatura de Levi.
Uma estória pouco difundida sobre o pós-guerra que vale a pena ser conhecida. Para aqueles que passaram por horrores indizíveis, a guerra nunca terminou. A guerra é para sempre.
Motivos para ler:
1- Primo Levi é um dos maiores escritores do século XX. Químico de formação, sobreviveu a Auschwitz e daí forjou toda a sua renomada obra. A trégua representa uma continuação do seu clássico É isto um homem?, tido como o melhor relato já escrito sobre a vida num campo de concentração nazista;
2- “Os sinais da ofensa permaneceriam em nós para sempre”. Vidas que sofreram uma violência desmedida carregam uma angústia lancinante. A literatura de Primo assim se expressou, sem nunca resvalar para o lugar-comum do romanceamento da dor. A lucidez, a honestidade, o talento narrativo e o elevado grau de suas reflexões são marcas indeléveis de sua obra;
3- Testemunhos históricos têm dupla função: jogar luz sobre o que passou e alertar as próximas gerações sobre os erros. É preciso conhecer o mundo de ontem para entendê-lo hoje. Sabe-se que regimes de ódio, muito preocupados em domesticar a sexualidade alheia, que elegem “inimigos” dentro do seu próprio povo e que são intolerantes com imprensa e opinião pública flertam com pressupostos antidemocráticos. Daí a importância da alta literatura: quem não lê se enraíza em sua insignificante vida, perde perspectiva do mundo e não compreende a contemporaneidade, ficando refém de falsos mitos.
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