Significados do Judaísmo

A origem dos Dois Talmuds – Jerusalém e Babilônia

23/06/2022
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Sem uma tradição oral, algumas das leis da Torá seriam incompreensíveis.

A Lei Oral é um comentário legal sobre a Torá, explicando como seus mandamentos devem ser cumpridos. O senso comum sugere que algum tipo de tradição oral sempre foi necessário para acompanhar a Lei Escrita, porque a Torá sozinha, mesmo com seus 613 mandamentos, é um guia insuficiente para a vida judaica.

Por exemplo, o quarto dos Dez Mandamentos ordena: “Lembra-te do dia do Shabat para o santificar”. Da inclusão do Shabat nos Dez Mandamentos, fica claro que a Torá o considera uma data importante. No entanto, quando se procura as leis bíblicas específicas que regulam como observar o dia, encontramos apenas injunções contra acender uma fogueira, sair de casa, cortar uma árvore, arar e colher. A mera abstenção dessas poucas atividades cumpriria o mandamento bíblico de santificar o sábado? De fato, os rituais do sábado que são mais comumente associados à santidade – acender velas, recitar o Kidush e ler a porção semanal da Torá são encontrados não na Torá, mas na Lei Oral.

Sem uma tradição oral, algumas das leis da Torá seriam incompreensíveis.

Assim, uma Lei Oral era necessária para mitigar certas leis categóricas da Torá que teriam causado graves problemas se fossem executadas literalmente.

Quando a comunidade judaica da Terra de Israel sofreu perdas horríveis durante a Grande Revolta e a rebelião de Bar-Kokhba e bem mais de um milhão de judeus foram mortos nas duas revoltas malfadadas, as principais yeshivot, juntamente com milhares de seus estudiosos e estudantes rabínicos, foram devastadas.

Este declínio no número de judeus instruídos parece ter sido um fator decisivo na decisão de registrar por escrito a Lei Oral. Durante séculos, os principais rabinos do judaísmo resistiram a escrever a Lei Oral. Ensinar a lei oralmente, os rabinos sabiam, obrigava os alunos a manter relações próximas com os professores, e eles consideravam os professores, não os livros, os melhores transmissores da tradição judaica. Mas com a morte de tantos professores nas revoltas fracassadas, Rabi Judah, o Príncipe, aparentemente temia que a Lei Oral fosse esquecida a menos que fosse escrita.

Assim, surgiu a Mishná, uma das principais obras do judaísmo rabínico, e a primeira grande redação na forma escrita da tradição oral judaica, chamada a Torá Oral.

Durante os séculos que se seguiram à edição da Mishná, ela foi estudada exaustivamente por geração após geração de rabinos.

Eventualmente, alguns desses rabinos escreveram suas discussões e comentários sobre as leis da Mishná em uma série de livros conhecidos como Talmud.

Os rabinos da Terra Sagrada editaram suas discussões sobre a Mishná por volta do ano 400. Seu trabalho ficou conhecido como o, Talmud Yerushalmi, que significa literalmente “Talmud de Jerusalém”.

Mais de um século depois, alguns dos principais rabinos babilônicos compilaram outra edição das discussões sobre a Mishná. A essa altura, essas deliberações já duravam cerca de trezentos anos. A edição da Babilônia era muito mais extensa do que sua contraparte Yerushalmi, de modo que o Talmud Babilônico (Talmud Bavli) tornou-se a compilação mais autorizada da Lei Oral.

Quando as pessoas falam em estudar “o Talmud”, elas quase invariavelmente se referem ao Bavli em vez do Yerushalmi. Enquanto o Bavli favorece argumentos complexos e em várias partes, as discussões de Yerushalmi raramente incluem um longo debate.

As discussões do Bavli e do Yerushalmi refletem as diferentes preocupações das culturas das quais os textos surgiram. Uma comparação dos elementos narrativos dos dois Talmuds sugere que os rabinos do Yerushalmi tiveram mais interação com não-rabis – tanto judeus quanto não-judeus – do que os rabinos do Bavli. O Yerushalmi, produzido em um local sob controle helenístico, reflete influências gregas, tanto em sua linguagem quanto em seu conteúdo.

Tradicionalmente, o Bavli tem sido considerado o mais autoritativo dos dois Talmuds. Este privilégio do Bavli reflete o fato de que a Babilônia era o centro dominante da vida judaica desde os tempos talmúdicos até o início do período medieval. Os primeiros codificadores da Halachá (lei judaica), baseados em Bagdá nos séculos VIII a X, usaram o Bavli como base de seus escritos legais. Refletindo a atitude predominante em relação ao Yerushalmi, o Machzor Vitri, escrito na França no século 11 ou 12, comenta: “Quando o Talmud Yerushalmi discorda do nosso Talmud, desprezamos o Yerushalmi”.

Hoje, há um interesse renovado em estudar o Talmud Yerushalmi. Esse interesse reflete as atuais ênfases acadêmicas em traçar o desenvolvimento do texto talmúdico e compreender as culturas que produziram esses textos. Muitos estudiosos tentam aprender sobre a história do texto talmúdico comparando passagens paralelas no Bavli e no Yerushalmi. Comparações entre os dois Talmuds também fornecem novas informações sobre as atitudes e interesses relativos dos rabinos babilônicos e de Israel.

Entre os judeus religiosos, os estudiosos talmúdicos são vistos com a mesma admiração e respeito com que a sociedade secular considera os laureados com o Nobel. No entanto, ao longo da história judaica, o estudo da Mishná e do Talmud dificilmente se restringiu a uma elite intelectual.

A abordagem tradicional para aprender o Talmud, que enfatizava os elementos legais do texto, tendia a descartar o Yerushalmi como incompleto e sem autoridade. Hoje, o interesse pelos aspectos literários, culturais e históricos dos textos tradicionais levou a uma redescoberta deste Talmud e a uma vontade de reconsiderar seu lugar no cânone judaico.

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