A voz da consciência

A Comunicação que Transforma a Vida da Gente

23/09/2024
A Comunicação que Transforma a Vida da Gente | Jornal da Orla

No episódio 93, eu recebi a jornalista Ângela Shafer para falar sobre a comunicação que transforma a vida da gente. Esse episódio deveria ter acontecido no dia primeiro de junho, porque o programa “Consciência Inclusiva”, que eu faço falando sobre a pessoa com deficiência, fez quatro anos naquela data. Ela seria a minha convidada especial para fazer esse episódio de qualquer jeito. Então, eu não vi problema em esperar por 10 dias; o importante para mim era trazer alguém que pudesse discutir comigo a comunicação nos dias atuais.

Eu comecei falando sobre uma experiência que tive em 2020, quando fui candidato a vereador em Santos e obtive 53 votos. Diria eu, de corajosos e leitores, que eu continuo sendo grato por esses votos, mas o voto mais importante, eu considero que foi o voto na minha própria mãe, porque foi o último voto que ela deu em vida. Esse problema é muito marcante; esse é um fato que eu vou levar para o resto da minha vida, como a última ligação de afeto e confiança dela comigo. Na minha avaliação, o meu principal defeito e o fator para que eu não tenha sido eleito há quatro anos atrás, e por consequência, não ter dado a estrutura necessária para que a minha mãe tivesse um tratamento de saúde adequado, para que talvez ela tivesse a vida prolongada além daquela que eu considero que ela poderia ter se eu fosse eleito vereador naquela eleição. Eu poderia ter feito muito mais do que só ter ficado assistindo a coisa acontecer na minha frente, sem poder fazer nada por ela. Até hoje, eu me sinto responsável pela sua ausência. E o principal fator aqui, para eu não ter sido eleito, foi a falta de, ou melhor, o meu erro na comunicação.

Porque, para quem não sabe, eu nasci prematuro de 6 meses e tenho uma condição física natural que se chama paralisia cerebral, provocada pela falta de oxigenação no cérebro. Pelo menos é o que diz uma das versões ditas pelos médicos. Eu percebi na campanha eleitoral de 2020, quando fui candidato a vereador na minha cidade aqui em Santos, quando comecei a fazer o “Consciência Inclusiva”, que na minha comunicação existe um delay entre a minha voz e o meu raciocínio. Por quê? O meu raciocínio é mais rápido do que a minha voz, e eu tento equilibrar essa diferença que existe, diminuir ela. Eu me lembro uma vez que eu fui entregar um panfleto eleitoral, quando fui candidato, eu estava com meu irmão fazendo campanha há quatro anos atrás, e eu me lembro de ter parado na praia para falar com um casal. Para quem não sabe, a paralisia cerebral interfere na voz e no corpo. É uma condição neurológica que depende muito do estado emocional da gente. Eu fiquei tão nervoso, tão nervoso por parar aquele casal, que tudo parou de funcionar: o corpo ficou duro, a voz foi embora, de tão nervoso que fiquei.

Eu vou ser bem sincero com você: a comunicação, para mim, é a única forma que eu vejo de realmente conseguir a minha inclusão social e individual, porque a única coisa que eu sei fazer na vida é escrever e falar. Mas, as exceções da infância só aconteceram de verdade quando eu resolvi abraçar a minha bandeira natural, que é a pessoa com deficiência. Eu sempre fui apaixonado por rádio, e quando eu pensava em trabalhar na comunicação, o meu objetivo sempre foi o rádio, porque na minha época de criança, o rádio era um veículo que só aparecia a voz da gente. Então, provavelmente seria protegido do preconceito e da discriminação pela minha condição física, pelo menos é o que eu pensava, por parte da audiência. Mas o mundo mudou, e hoje o rádio virou TV, e hoje aparece a nossa imagem. Me lembro aos 12 anos de idade, quando eu entrei pela primeira vez no estúdio de rádio, numa rádio tradicional de Santos, que é a rádio Cultura 930 kilohertz no AM 106,7, não é FM, isso antigamente, em 1998. O Gil Mansur, o dono da rádio Cultura, um dos, ele pediu para que eu entrasse no estúdio de rádio pela manhã, e sabendo que eu gosto, ou gostava, de futebol, eu sou santista, naquela época estava chegando o Emerson Leão ao comando do Santos, o Vanderlei Luxemburgo tinha acabado de sair do clube, ele pediu para mim perguntar sobre a situação do Santos naquela época.

“Eu falei que não caindo tava bom, porque o time naquela época era regular, diria eu. Foram 30 segundos ou menos que modificaram a minha vida, porque eu saio do estúdio encantado por aquela magia do jornalismo e da comunicação, ia sair do estúdio dizendo ‘é isso que eu quero fazer da minha vida!'” Mas eu também me encontrei na escrita, porque aos 22 anos eu comecei um blog falando sobre o dia a dia e as dificuldades da pessoa com deficiência, natural ou adquirida. São muitas! Hoje eu tenho o “Consciência Inclusiva”, que é um podcast falando sobre a pessoa com deficiência, e duas colunas, uma numa revista voltada para a pessoa com deficiência, a revista “Reação”, que é bimestral, e a “Voz da Consciência” aqui no jornal “Na Orla”. Portanto, eu posso dizer que eu faço o que eu gosto, mas digo também que faço com responsabilidade e tento fazer com equilíbrio, sem entrar no calor da emoção do momento. Tento fazer com base na razão, e eu não faço nada na base da emoção. Eu procuro sim analisar os fatos com muito equilíbrio lógico, que não existe neutralidade na opinião de ninguém, existe sim, ideologicamente falando.

Tem uma hora em 10 minutos, por enquanto, porque eu considero que o episódio 93 ainda não terminou, e foi interrompido por problemas técnicos que acontecem. Ficaram questões pelo caminho, como, por exemplo, o projeto “Eu Comunicadora”, que conduz a vida dela hoje. Ficaram pelo caminho também outras duas questões principais, que são as seguintes: se um programa apresentado por uma pessoa com deficiência como eu seria aceito pela mídia tradicional? Ou teria que ser apresentado por alguém considerado normal? Outra pergunta que eu poderia ter feito e não fiz por essa questão do problema técnico que aconteceu: se eu não pudesse ter uma estação de rádio, uma revista, um jornal ou quem sabe uma televisão para dirigir um segmento do jornalismo, qual seria o tipo de jornalismo que ela gostaria de imprimir no veículo que ela dirigiria? Cadeirinha numa estação de rádio, por exemplo, uma programação feita só por podcasts? Uma última coisa a perguntar seria: o que é que a comunicação é capaz de conquistar?

Aproveitando essa oportunidade que eu tenho para falar sobre a comunicação, que é um assunto que eu sou apaixonado, sabe qual é a comunicação mais bonita que existe? É aquela comunicação que não se diz uma palavra, é a comunicação dos sinais, ou melhor dizendo, é a Libras, que dá acesso à comunicação por parte do público surdo.

Para concluir, eu gostaria de dizer sobre o seu trabalho, Ângela Shafer, gostaria de dizer para concluir da minha admiração pelo seu trabalho, a forma didática que faz a gente refletir sobre as questões que você levanta, principalmente sobre o comportamento profissional, que muitas vezes a gente não para para pensar. Como eu te falei durante a entrevista, entrevista não, conversa, como eu te disse durante a nossa conversa, que eu não me considero jornalista, eu me considero um cronista em defesa da cidadania da pessoa com deficiência. Não sei se eu faço o meu papel com qualidade ou não, mas eu faço o melhor que posso. Eu gostaria de concluir dizendo da minha admiração por você. Eu me permito dizer mais, te peço uma licença para isso, de alguma forma não me pergunte porquê, quando eu comecei a conversar com você nas redes sociais, de alguma forma eu sabia que você seria importante para mim no sentido do ensinamento que você sempre me passa quando a gente conversa. Você é uma pessoa que inspira a gente por onde você passa, e você sabe disso. Eu não tô aqui para ficar elogiando você gratuitamente, e nem naturalmente, mas eu sou muito de energia, e foi possível perceber o seguinte: você, Ângela, é um ser humano iluminado. Continue nos ensinando de forma simples. Conversar com você aquele dia, 11 de julho, foi um prazer para mim, porque pessoas como você são as que me fazem seguir em frente no trabalho que faço pela pessoa com deficiência, porque eu devo confessar que quase todo dia vem uma dúvida na minha cabeça: se eu devo continuar ou não o meu caminho na comunicação? Justamente pela condição física que eu tenho, natural, e você, com seu jeito simples, com um jeito carinhoso e respeitoso comigo, me mostrou que eu posso chegar aonde eu quiser, apesar da condição física. Muito obrigado pelo carinho e pelo respeito que você tem por mim. Quando você voltar de férias, a gente conclui o episódio 93 e continua a nossa conversa.

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