A comida judaica é uma culinária incrivelmente diversificada.
O que, exatamente, é comida judaica? Alguns diriam que é qualquer comida por judeus, e/ou qualquer comida que seja kosher. Mas isso é, sem dúvida, uma grande simplificação e ignora a noção de que a comida judaica, tomada como um todo, é uma culinária incrivelmente diversificada, internacional e orientada pela diáspora. Para muitos, são os alimentos da própria cultura (ou seja, ashkenazi, sefardita, mizrachi, etc.) – especialmente o Shabat tradicional e a comida de feriado – que se registram especificamente como “judeus”. Mas seria necessária uma enciclopédia (pelo menos!) para cobrir a verdadeira amplitude da culinária judaica e das tradições alimentares.
A cozinha tipicamente Ashkenazi tem suas raízes majoritariamente na Europa Oriental. Uma grande parte dos judeus da região eram pobres, e assim os judeus que viviam nos shtetls (pequenas aldeias locais), comiam víveres camponeses. O tipo exato de comida camponesa refletia vários fatores: mudanças geográficas e migrações, a natureza internacional singular da comunidade judaica e, é claro, as leis dietéticas judaicas.
No início da Idade Média, a maioria dos judeus que viviam no continente europeu vivia na Europa Ocidental, particularmente na Alemanha. No século 13, no entanto, os alemães tornaram-se mais antagônicos aos judeus, e muitos deles seguiram para o leste, para a Polônia e a Rússia. As comidas dos judeus poloneses e russos refletem essa base alemã. Rábano, pão de centeio e picles são todos alimentos alemães consumidos pelos judeus da Alemanha e transmitidos às gerações posteriores na Europa Oriental.
Por causa do rigoroso clima de inverno daquela área, os judeus poloneses e russos comiam muitos grãos, tubérculos e ensopados. A fruta estava prontamente disponível e era usada em quase tudo, incluindo sopas e molhos. Talvez a comida “judaica” mais famosa de todas, o bagel, também se originou na Polônia. Os judeus da Polônia gostavam muito de doces e adicionavam açúcar a pratos de vegetais e peixes. O icônico peixe gefilte fish e o rábano adoçado com beterraba (chrain), é originário da Polônia. Enquanto os judeus poloneses usavam muito açúcar, a população judaica de outras regiões fazia o peixe mais salgado. Os judeus russos optavam por alimentos apimentados e azedos.
Na categoria de pães, a emblemática chalá, era e é, até hoje, tipicamente servida no Shabat. A forma mais comum é a trança. Em ocasiões especiais, como casamentos, este pão especial é aumentado para um comprimento de cerca de quase um metro. A chalá também é muitas vezes moldada em formas com significados simbólicos; assim, em Rosh Hashaná, anéis e moedas são imitados, indicando “Que o ano novo seja tão redondo e completo quanto estes”; para Hoshana Rabbah, o pão é assado na forma de uma chave, significando “Que a porta do céu se abra para admitir nossas orações”.
O fígado picado (gehakte leber) tornou-se popular graças aos judeus da França medieval, que criavam gansos para fazer o schmaltz (gordura de cozinha), já que os azeites e óleos eram escassos e caros e a gordura de porco não era kosher. Gribenes ou “restos”, também chamados de griven, os torresmos deixados pelo método de processamento eram uma das comidas favoritas da antiga comunidade judaica do Leste Europeu. O schmaltz era comido também espalhado no pão. Posteriormente, ou judeus começaram a fazer uso de fígados engordados. (A iguaria francesa foie gras originou-se desse empreendimento.) A gordura processada das aves era mantida pronta para uso culinário quando necessário.
Apesar da perícia judaica na produção do foie gras, a quantidade de cozimento necessário para remover todos os vestígios de sangue do fígado do ganso, de acordo com as regras de kashrut, tornava a carne tão dura que se tornava intragável. Uma alternativa foi encontrada nos fígados de galinha, mas eles também precisavam ser completamente cozidos. Com a adição de ovo picado, cebola e schmaltz de ganso ou de frango, a carne tornou-se comestível e o fígado picado tradicional judeu, que comemos até hoje, nasceu.
Picles de todos os tipos sempre foram populares em todo o mundo judaico. Picles de pepino em conserva com endro e alho são uma especialidade Ashkenazi.
Como cozinhar é proibido no Shabat, os cozinheiros judeus desenvolveram receitas inventivas para pratos que resistiriam (ou melhor ainda, melhorariam o sabor) quando cozinhados com antecedência e mantidos aquecidos durante o Shabat. Um exemplo é o Cholent, embora intimamente associado aos judeus da Europa Oriental, provavelmente se originou na França. Este prato saboroso e ensopado normalmente inclui carne, cevada, batatas e feijão.
A sopa é elementar, nutritiva e uma constante nas cozinhas de todo o mundo – incluindo a culinária da diáspora judaica. As sopas geralmente refletem aquelas apreciadas pelas culturas anfitriãs, com adaptações kosher. Alguns padrões favoritos incluem:
Sopa de bola de matzá, um clássico Ashkenazi, feita com caldo de galinha e bolinhos à base de farinha de matzá. Schav, uma sopa de azedinha e borscht, uma sopa à base de beterraba, são três favoritos sazonais do Leste Europeu.
Na Europa, geleias e conservas feitas de suco de frutas eram usadas como recheio de confeitaria ou servidas com chá. Entre os pobres, a geleia era reservada para os inválidos, daí a prática de recitar o ditado iídiche Alevay zol men dos nit darfn (Que não tenhamos ocasião de usá-la) antes de guardá-la.
Fluden, uma massa doce em camadas com recheio de maçãs, nozes, groselhas e sementes de papoula, era um alimento básico das padarias judaicas húngaras antes da Segunda Guerra Mundial.
Por ser fácil de preparar, feita com ingredientes baratos e sem produtos lácteos, a compota tornou-se uma sobremesa básica das famílias judaicas em toda a Europa e foi assimilada como parte da culinária judaica.
Ademais, a cozinha Ashkenazi apresenta alimentos típicos de muitos feriados judaicos, como o latkes de Chanucá, o Hommentashen de Purim, alimentos à base de leite em Shavuot e receitas com matzá em Pessach.
De fato, um só artigo sobre a riquíssima culinária judaica, tanto Sefaradí quanto Ashkenazi, não dá o devido valor à culinária advinda do tecido social dos judeus.
Entretanto, podemos afirmar que a cozinha judaica é um perfeito exemplo de comfort food (comida afetiva).
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