Rubem Fonseca devotou sua vida literária ao desenvolvimento de um gênero muito peculiar: a ficção urbana. Escreveu muito – e bem – sobre todas essas pessoas que, empilhadas nas cidades, defrontam-se com a violência, o erotismo, a irreverência, a confusão, a crise social; que lidam, sobretudo, com a brutalidade diária do caos urbano.
Feliz Ano Novo é, possivelmente, o livro mais famoso do autor. O traço da violência é o que mais sobressai nos ágeis quinze contos que compõem a obra, produzindo um curioso e original estilo literário-cinematográfico que faria inveja a Tarantino. O conto inicial, homônimo ao livro, já dá o tom, narrando um assalto inacreditável. Os passeios noturnos de um homem bem sucedido para aliviar o estresse deixarão o leitor atônito. Há também um jantar surpreendente (Nau Catrineta), uma crise de burnout (O outro) e o desencaixe social de um ex-presidiário (Botando pra quebrar). Mas nem tudo é fogo e fúria: há contos de pura ternura que comovem e despedaçam o coração (O pedido e Abril, no Rio, em 1970), e muita coisa engraçada (Corações solitários).
Consagrado como um dos mais originais prosadores brasileiros, Rubem criou uma literatura noir exuberante e corajosa. O autor nos deixou ano passado, mas sua premiada obra permanece.
Motivos para ler:
1- Rubem Fonseca foi mil homens em um. Antes de se dedicar à literatura foi office boy, escriturário, nadador, revisor, comissário de polícia, professor e executivo. Produziu uma literatura clássica porém pop, brutalista mas sutil. Amealhou premiações de realce: Prêmio Jabuti (três vezes), Prêmio Juan Rulfo, Prêmio Camões, Prêmio Machado de Assis, dentre outros;
2- O conto é provavelmente a forma de leitura mais leve. Por não exigir uma solução de continuidade do leitor, um livro de contos pode ser acessado de acordo com a conveniência e sem implicar em quebra de narrativa. É uma bela porta de entrada para quem quer experimentar a vida nos livros;
3- Feliz Ano Novo foi lançado em meio à censura e repressão da ditadura militar (1975). O livro foi recolhido sob a alegação de conter “matéria contrária à moral e aos bons costumes”, como se coubesse ao Estado tutelar o que o cidadão deve ler. Aconteceu ontem, acontece hoje: a Fundação Palmares excluiu metade do seu acervo literário sob absurdas alegações ideológicas. Entre os expurgados estão (pasme) Machado de Assis e Max Weber. Tempos sombrios de um governo cujo mandatário declarou que “os livros hoje em dia, como regra, é (sic) um amontoado de muita coisa escrita”. E nos perguntamos: que tipo de homem diz uma coisa destas?
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