Persépolis é um fenômeno literário no mundo inteiro, com grande sucesso de crítica e público. Resolvida a contar a difícil infância no Irã e a adolescência exilada na Europa, Marjane edificou sua autobiografia de uma forma original: em quadrinhos. É a história de uma corajosa jovem que desde muito cedo não se resignou com as imposições da ditadura islâmica e resistiu.
O livro se abre em 1980, tempos da Revolução Islâmica no Irã, que derrubou o regime anterior e instalou um sistema ideológico-religioso ainda mais opressor. E Marjane, com 10 anos, vê-se obrigada a usar o véu, símbolo da dominação da sexualidade feminina. Diante da crescente insatisfação popular e da eclosão da guerra Irã x Iraque, o regime endureceu e ganhou ares tirânicos, o que motivou os pais de Marjane a mandá-la para a Áustria. E lá, aos 14 anos e sem qualquer noção de pertencimento, chegou perto do fundo do poço.
Apesar de abordar temas pesados – guerra, morte, isolamento -, os quadrinhos se desvelam pelo leve olhar de uma jovem que procura viver num mundo que em parte não aceita (a opressão do Oriente) e em parte não compreende (o Ocidente). A autora, cercada de dificuldades, conclui com um pensamento interessante: “Aprendi uma coisa fundamental: só podemos ter dó de nós mesmos quando ainda é possível suportar a infelicidade. Quando ultrapassamos esse limite, o único jeito de suportar o insuportável é rir dele.”
Motivos para ler:
1- Marjane Satrapi nasceu no Irã e atualmente vive na França. É autora e ilustradora. O sucesso de Persépolis rendeu um longa metragem de animação indicado ao Oscar. Atualmente aventurou-se como diretora de cinema e lançou o excelente Radioactive (Netflix), que conta a incrível história de Marie Curie, duas vezes ganhadora do Prêmio Nobel;
2- O mundo das HQ´s (histórias em quadrinhos) não é só das crianças. Há publicações direcionadas aos adultos, obras de desenvoltura, bom apuro técnico e valor artístico. Um novo gênero literário se avizinha. Vale conferir;
3- A suavidade do livro não esconde os graves distúrbios ocasionados por um regime autoritário. Há boas reflexões sobre a opressão fundamentalista e a subjugação da mulher pelo secular machismo institucionalizado. Também a xenofobia e a aversão ao diferente. Lições que devem ser sempre observadas: desconfie de quem se intitula, politicamente, como “conservador nos costumes”. Essa alcunha jamais deveria existir; afinal, não é papel do Estado “domesticar” a moral íntima das pessoas. Mulheres, em particular, sofrem até hoje com esse patrulhamento indevido sobre suas ações e corpos. Governo algum deve interferir na liberdade religiosa, sexual ou moral dos cidadãos. E reprimir liberdades é sempre indício de autoritarismo.
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço.