Pode parecer absurdo num primeiro momento, mas o procedimento conhecido como “transplante de fezes” ajuda a melhorar a qualidade de vida de autistas, depressivos e pessoas que tiveram a microbiota intestinal destruída pelo uso excessivo de antibióticos.
O professor de Microbiologia Clínica Alessandro Silveira explica que o “transplante de fezes” consiste em colonizar novamente o organismo com bactérias saudáveis. “A premissa do transplante de fezes é retirar todas aquelas bactérias prejudiciais e fazer uma nova colonização com a microbiota boa”, explica.
Como é feito o transplante de fezes
Silveira explica que, para realizar o procedimento, é necessário encontrar um doador. “Ele precisa ter um perfil bacteriano específico. Não à toa, o mais comum é escolher familiares, pois são pessoas cujo histórico de vida é conhecido ficando mais fácil atestar saúde. Mesmo assim, é preciso provar que tem a microbiota saudável. Se nasceu de cesárea ou parto normal, qual a dieta alimentar, o histórico de doenças, se exames detectaram hepatite, HIV, rotavírus, giardia e outras parasitoses, tudo isso será levado em conta para classificar a pessoa como um doador”, esclarece.
O procedimento, apesar de simples, só pode ser realizado após indicação clínica e sob supervisão médica direta. Um dos modos de fazer o transplante é por meio de uma colonoscopia: as fezes do doador (preparadas por um microbiologista) são colocadas em um mixer e diluídas no soro e posteriormente borrifadas, através de uma seringa, nos intestinos grosso e delgado durante 30 minutos. Silveira, que é pós-doutor em Microbiologia, informa que o procedimento apresenta resultados instantâneos.
Apesar os ótimos resultados, Silveira pondera que o transplante de fezes não pode ser visto como uma salvação milagrosa. O procedimento funciona como se a pessoa estivesse reiniciando o sistema operacional do computador. “A transferência de bactérias vivas traz um resultado efetivo, mas fugaz. Trata-se de uma estratégia para ser empregada em momentos pontuais, mas não se pode e bem deve depender dela para uma vida mais saudável”, afirma. Nesse sentido, o procedimento é uma nova chance para rever e mudar os hábitos cotidianos. “Somente adotando um estilo de vida mais saudável será possível obter resultados duradouros”, garante.
A importância da microbiota intestinal
Silveira explica que a microbiota intestinal é a responsável por formar uma barreira no órgão, que impedirá a ação de microrganismos nocivos capazes de gerar inflamações e doenças.
A alimentação saudável – restringindo industrializados e ultraprocessados, ricos em açúcar – é um dos fatores chave para alimentar as bactérias boas do organismo, que contribuem para a promoção de saúde. Entretanto, alimentar-se de maneira adequada e mudar o estilo de vida (ter bom sono, praticar exercícios físicos, evitar stress etc.) exige mudança de hábitos e leva algum tempo para que ocorra a colonização por bactérias adequadas. Nesses casos o transplante de fezes é uma boa opção.
Transplante de fezes para tratar várias doenças
O especialista explica que o transplante de fezes já é usado em muitos países como coadjuvante no tratamento de diversas doenças tais como obesidade, doenças crônicas, depressão, TDAH, autismo e obesidade. “Na Europa, por exemplo, alguns consórcios já trabalham com banco de fezes. No Brasil, este procedimento é autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas para tratamento de infecção por Clostridioides difficile, bactéria responsável por doenças gastrointestinais associadas a antibióticos, que variam desde uma diarreia até uma colite pseudomembranosa”.
Entusiasta do transplante de fezes, Silveira defende o uso do procedimento no Brasil para tratamento de outras doenças, além das causadas pela Clostridioides difficile, assim como ocorre na Europa, por exemplo. Conforme o pós-doutor em microbiologia, isso seria simples de ocorrer, desde que houvesse uma forte regulamentação, obedecendo critérios rigorosos para a seleção dos doadores.
“Para doar sangue é preciso, inicialmente, responder um longo questionário e, depois de aprovado, passar por exames de sangue. Por que não podemos ter um protocolo semelhante para o transplante de fezes?”, indaga.
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