Basta percorrer as ruas da cidade para constatar a grande quantidade de estabelecimentos comerciais fechados, mas não por conta das restrições necessárias para conter o avanço pandemia. Fecharam porque encerraram definitivamente as atividades. Empreendedores quebraram, funcionários perderam o trabalho.
É verdade que a situação econômica do país já não ia bem antes da pandemia, mas o caos sanitário que se instalou no Brasil acabou botando uma pá de cal em quem já não vinha bem das pernas. E também atingiu fatalmente quem, apesar de todas as dificuldades, conseguia tocar o barco.
Como a queda de um avião, a quebra de empresas não tem um, mas vários motivos. Alguns com menor importância e outros determinantes. Mas, apesar de todas as dificuldades, há luz no fim do túnel.
Fuga dos clientes
Os clientes deixaram de ir às compras. Uma parcela dos consumidores evitou sair do isolamento, com medo de contrair o vírus. Além disso, muitos estabelecimentos estavam fechados, por conta das restrições para conter a avanço da contaminação. Sem movimento (ou reduzido), os empregadores demitiram seus funcionários ou reduziram a jornada de trabalho —e, consequentemente, os ganhos.
Pesquisa do FGV Social, divulgada em outubro, apontou que a renda individual do trabalhador brasileiro teve uma queda média de 20,1%.
O estrago foi maior na economia informal, que é composta por aproximadamente 41,6% da força de trabalho brasileira (39,3 milhões de pessoas) e responsável por movimentar 17% da economia nacional (cerca de R$ 1,2 trilhão). Por representar uma “economia subterrânea” (como define o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas), não é possível aferir exatamente quanto este segmento produtivo deixou de movimentar. Neles estão os ambulantes, prestadores de serviços, trabalhadores eventuais etc.
A estes brasileiros restou apenas o auxílio-emergencial — R$ 600 por mês entre abril e agosto e R$ 300 por mês de setembro a dezembro.
O IGBE indica uma queda R$ 98,8 bilhões no consumo em serviços em 2020, comparado a 2019, e R$ 41,2 bilhões no setor automobilístico (veículos e peças).
A queda no consumo dos brasileiros só não foi maior por conta do auxílio-emergencial pago pelo governo federal. No entanto, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), dos R$ 293 bilhões distribuídos pelo programa, R$ 54 bilhões (ou 18% do total) foram pagos a quem não deveria receber —militares, servidores públicos, pessoas com renda elevada.
Cautelosos- Quem possui renda garantida (aposentados, pensionistas, funcionários públicos) reduziu consumo, pois muitas atividades estavam indisponíveis (cinema, teatro, eventos e outas formas de entretenimentos, bares, restaurantes) e também preferiu guardar recursos, diante do cenário de incertezas.
Dados da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, indicam que o montante de dinheiro aplicado subiu de 12,5% do PIB, em 219, para 15%. Apenas no segundo e no terceiro trimestre do ano passado, foi registrado um aumento de R$ 265 bilhões em aplicações financeiras.
Inconstância nas regras de restrição
Desde o início da pandemia, o Governo do Estado realizou 25 mudanças de classificação do chamado Plano São Paulo — ora para flexibilizar, ora para acentuar o nível de restrições. Além disso, vários critérios apresentaram-se incoerentes e até contraditórios. Além das fases identificadas por cores (Verde, Amarelo, Laranja e Vermelha), criou-se outras, como “de transição” e “emergencial”. Mudanças de horários de funcionamento e limitações de espaço em estabelecimentos atrapalharam o planejamento de quem tentou trabalhar.
Em muitos casos, as restrições acabaram inviabilizando o negócio em si. Segmentos como o entretenimento e eventos simplesmente desapareceram.
Falta de ajuda governamental
No plano econômico, os auxílios oferecidos aos pequenos empreendedores se demonstraram tímidos ou inacessíveis.
Inicialmente, o presidente Jair Bolsonaro defendia a interrupção dos contratos de trabalho, sem nenhuma garantia aos empregados. Alertado das consequências, recuou e criou o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm).
Este programa concedeu um auxílio para pessoas que tiveram o contrato de trabalho suspenso temporariamente ou redução na jornada de trabalho (e salário). No total, foram gastos R$ 33,5 bilhões para viabilizar 19,8 milhões de acordos.
O Ministério da Economia estima que a medida ajudou a preservar 10,2 milhões de empregos e evitou o fechamento de 1,5 milhão de empresas. No entanto, em 2020, 7,3 milhões de pessoas perderam o trabalho.
Com a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), na quinta-feira (22), deve ser implementada a segunda fase do BEm, uma versão mais modesta que a anterior: serão liberados R$ 10 bilhões, na tentativa de preservar 4 milhões de empregos. Ou seja, 6 bilhões de brasileiros atendidos em 2020 vão ficar no limbo.
Abandono dos pequenos empreendedores
Na quinta-feira (22) completou um ano que aconteceu a reunião ministerial repleta de falas explosivas. Além do “passar a boiada” dita pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o encontro teve a seguinte declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes: “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”.
Dito e feito. Do total de R$ 105 bilhões distribuídos pelo Programa Emergencial de Acesso a Crédito (PEAC), um conjunto de linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), R$ 37,5 bilhões foram destinados ao Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), apenas 11% dos micros e pequenos empresários conseguiram crédito — metade nem tentou obter o financiamento, pelas dificuldade burocráticas que encontraram.
Estado aumentou ICMS
A nível estadual, o governador João Doria aumentou alíquotas de ICMS, em até 207% (veículos usados). No começo do ano, recuou, retirando a reajuste sobre alimentos, medicamentos e insumos agrícolas.
Qual a saída?
A retomada da atividade econômica passa, obrigatoriamente, pela vacinação dos brasileiros. No entanto, o governo federal demonstrou ser ineficaz em seu Plano Nacional de Vacinação. Todas as metas estabelecidas no cronograma do próprio governo (de aquisição e aplicação de doses) não se confirmaram. Até sexta-feira (23), apenas 27,9 milhões de brasileiros (13,4% da população) receberam a primeira dose e 11,34 milhões (5,6%) as duas doses.
A lentidão no processo de imunização faz com que qualquer processo de retomada demore ainda mais. Enquanto isso não ocorre, o governo federal deve buscar oferecer os incentivos necessários para que os empreendedores sobrevivam neste momento de turbulância: perdão ou moratória de pagamento de tributos, redução de encargos, financiamentos. Foram estratégias adotadas em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi aprovado projeto do presidente Joe Biden orçado em US$ 1,9 trilhão. No Chile, o pacote de ajuda econômica implementado em 2020 foi de US$ 11,7 bilhões (4,7% do PIB).
Auxílio governamental
Outras esferas governamentais podem colaborar. Em Santos, por exemplo, a Prefeitura realizou no ano passado um plano de refinanciamento de tributos atrasados, sem cobrança de multa e juros. Já em março deste ano, o prefeito Rogério Santos apresentou um projeto, depois aprovado pela Câmara, de isenção de Imposto Sobre Serviço (ISS) Fixo, Taxa de Licença, Taxa de Publicidade e Taxa de Licença para Ambulantes, beneficiando 3,2 mil contribuintes em 115 atividades econômicas. O programa Incentiva Santos prevê ainda o perdão de dívidas junto ao Município referentes a 2021, atendendo 2,8 mil contribuintes. As duas medidas, que representam um impacto de R$ 4,3 milhões na arrecadação municipal, contemplam ambulantes, taxistas, motoristas de transporte escolar, bares, restaurantes, lanchonetes, cinemas, agências de viagens, produtores artísticos, produtores de eventos esportivos e casas de festas, entre outros serviços.