Quando você acabar de assistir Eu Me Importo, novo filme original da NETFLIX, tenho certeza que vai procurar se realmente estes fatos acontecem nos EUA. A estrutura deste longa é quase que inteiramente focada no absurdo do Estado a serviço de empresas privadas e, o tom de comédia do filme, tenta expor o quão ridícula é toda essa situação. Com um início promissor e bastante empolgante, misturando humor negro com crítica social, Eu Me Importo flerta com diversos gêneros enquanto faz de tudo para chocar o espectador, mas pela necessidade de ser ousado demais, sucumbe da metade para o final, em uma trama completamente absurda e implausível aliado a personagens que não geram nenhuma empatia com o público.
Eu Me Importo acompanha a rotina de Marla (Rosamund Pike), uma golpista que faz idosos como suas vítimas. O plano é simples: a moça convence juízes a lhe darem a guarda de certas pessoas de idade, dizendo que elas não conseguem mais cuidar de si mesmas. Uma vez que ganha a causa, coloca seus clientes de forma isolada em asilos, enquanto vende todas as propriedades deles, ficando com o lucro para levar uma vida confortável. Quando ela pensa ter encontrado uma nova vítima perfeita, descobre que a mesma guarda segredos perigosos. Com base nisso, Marla vai ter que usar toda sua astúcia se quiser continuar viva. O filme é dirigido e roteirizado por J. Blakeson, que constrói com excelência os primeiros 40 minutos de projeção fazendo uma ótima apresentação do plano da protagonista e o desenvolvimento dos personagens. Misturado com uma edição ágil e bem dinâmica, repleta de cortes rápidos e diálogos cheio de sagacidade, o diretor também consegue criar um filme visualmente interessante, moderno e ágil.
O problema deste longa, na minha opinião, está em seu roteiro. Após um primeiro ato empolgante, os dois próximos atos se resumem a um jogo de gato e rato cheio de furos e com justificativas implausíveis e tolas. Não há nenhum aprofundamento na personalidade dos personagens, nem diálogos interessantes ou um clímax corajoso. O roteiro começa quase como um conto de horror social, onde tinha a oportunidade de uma descida ao inferno da protagonista ao tomar direções completamente erradas em sua vida e arcar com as consequencias de seus atos. Porém, com a entrada de determinado personagem, que deveria trazer ainda mais angústia e tensão a trama, o filme libera cargas constantes de fantasia que acaba por tirar do filme a atmosfera de tensão e impunidade. Assista ao novo clássico e obra prima "Onde os Fracos Não Tem Vez" e vocês saberão do que estou falando. Outro fato negativo é a longa duração do longa, que acaba rendendo mais que o necessário ao tomar caminhos fáceis para o desenrolar da trama e ao desenvolver personagens detestáveis, daqueles que o espectador não consegue criar alguma empatia ou se identificar para torcer por suas vidas.
Porém, o que me impediu de abandonar a produção certamente foi o trabalho dos atores. Rosamund Pike é o grande centro das atenções e recebeu uma indicação ao Globo de Ouro por seu trabalho, entregando uma personagem fria, impiedosa e sem qualquer tipo de preocupação com as pessoas cujas vidas são destruídas. Mais conhecida por seu papel em Garota Exemplar, a atriz mantém uma postura inabalável mesmo em situações extremas, que acaba deixando o filme com um ar absurdo, mas que não tira o mérito de sua atuação. Outro destaque fica para Peter Dinklage, o eterno Tyrion Lannister de Game Of Thrones, que emprega maneirismos divertidos em sua atuação, sem nunca perder a sensação de perigo.
Eu Me Importo tem um excelente início que me deixou bastante empolgado e com grandes expectativas, mas que joga todo seu potencial fora com uma trama implausível, absurda e por possuir apenas personagens detestáveis que não gera nenhuma identificação com o público.
Curiosidades: Um dos acontecimentos reais que inspirou o filme foi o caso do cuidador April Parks, que foi condenado em 2019 por mais de 100 acusações de perjúrio, furto e exploração de idosos.