Sempre que me falam de desmame vem à minha mente um fato inusitado. Certa vez entrei nas Lojas Americanas do centro quando de repente apareceu uma senhora gritando: “A senhora é culpada!” Fiquei atônita, com medo e envergonhada pelo número de pessoas que iam se juntando e até um guarda se aproximava. Aliviada fiquei quando ela me mostrou um menino de quase 5 anos dizendo: “A senhora ensina a amamentar mas não a desmamar”. No afã de sempre mostrar a arte de amamentar, eu esquecia de ensinar como desmamar… Eis-me aqui para falar sobre a hora de desmamar.
O que é desmame?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), definiram o desmame como “um processo pelo qual outros alimentos são introduzidos gradualmente na dieta do bebê, primeiro para complementar o leite do peito (ferro, proteínas, mais calorias, vit A e C, etc) e progressivamente para substituí-lo e adaptar a criança à alimentação do adulto”.
Assim, o desmame é a passagem progressiva do leite materno para os alimentos complementares, de forma lenta e gradual até receber a alimentação habitual da família assim como garantir sua autonomia.
Até quando amamentar?
Uma vez encontrei em Cuiabá um grupo de índios que participavam de um congresso de amamentação. Perguntei ao cacique até quando uma criança índia é amamentada. Ele me respondeu: “até quando ele quiser”. Resposta simples e mais certa que, até então, eu ouvira.
Dr. William Sears disse: “Não limite a duração da amamentação a um período pré-determinado. Siga os sinais do bebê. A vida é uma série de desmames, do útero, do seio, de casa para a escola, da escola para o trabalho. Quando uma criança é forçada a entrar em um estágio antes de estar pronta, corre o risco de afetar o seu desenvolvimento emocional.”
O ser humano pertence a classe dos mamíferos e, antropologicamente, tem como período de amamentação de 2,5 até os 7 anos. Entretanto fisiologicamente sabemos que o período da lactância (em que o leite é o principal alimento) e a fase oral vai até 2 anos ou mais. Por isso a OMS/UNICEF recomenda: “Amamentação exclusiva nos primeiros 6 meses e Amamentação continuada até 2 anos ou mais, com a introdução de alimentos complementares (sólidos) nutricionalmente adequados e seguros aos seis meses”.
A amamentação é um caminho a dois e para que o desmame ocorra ambos mãe e filho devem estar prontos.
O desmame é um processo, que faz parte da evolução da mulher como mãe e da aquisição de novas funções do bebê como sorrir, falar, andar.
Para o desmame a mãe deve estar preparada física e emocionalmente. A mãe deve estar segura de sua decisão para que o desmame seja gradual, contribuindo para a redução da produção láctea e, assim, seu peito volte ao que era. Também se faz necessário que toda mãe lactante saiba das evidências consistentes de que quanto mais prolongado for o aleitamento materno maior será sua proteção contra o desenvolvimento de doenças como o câncer de mama e de ovário, diabetes tipo 2 e hipertensão, entre outros.
A criança por sua vez passa a ver cores: do branco do leite ao colorido de outros alimentos; sentir consistência do líquido para o pastoso e sólido; do sabor doce para o salgado e do ato de sugar a aprender a mastigar. Para todas estas aquisições o bebê deve estar “maduro”. Isto é: normalmente, quando o bebê consegue sentar-se com apoio mantendo a cabeça ereta; colocar suas mãos na boca; deglutir semi sólido sem dificuldade (desaparecimento do reflexo da extrusão); digerir os novos alimentos e excretar, deixar cair objetos, etc.
Geralmente os mamíferos desmamam a partir de quando atingem 3 vezes o seu peso de nascimento. No desmame natural a criança se auto-desmama, o que pode ocorrer em diferentes idades, em média entre dois e quatro anos e raramente antes de um ano.
A professora Dra Elsa Regina Justo Giugliani, uma das maiores pesquisadoras em Amamentação orienta:
- Sinais sugestivos de que a criança está madura para o desmame:
- Idade maior que um ano
- Menor interesse nas mamadas
- Aceita variedade de outros alimentos
- É segura na sua relação com a mãe
- Aceita outras formas de consolo
- Aceita não ser amamentada em certas ocasiões e locais
- Às vezes dorme sem mamar no peito
- Mostra pouca ansiedade quando encorajada a não mamar
- Às vezes prefere brincar ou fazer outra atividade com a mãe ao invés de mamar
- Vantagens do desmame natural:
- Transição tranqüila, menos estressante para a mãe e a criança
- Preenche as necessidades da criança até elas estarem maduras para o desmame
- Fortalece a relação mãe-filho
- Ajuda a mãe a ser menos ansiosa com relação aos estágios de desenvolvimento de seu filho
- Encorajando o bebê a desmamar – facilitadores:
- Mãe segura de que quer (ou deve) desmamar
- Entendimento da mãe de que o processo energia e pode ser tanto mais lento quanto menos pronta estiver a criança
- Flexibilidade, pois o curso é imprevisível
- Paciência (dar tempo à criança) e compreensão
- Suporte e atenção adicionais à criança – mãe não deve se afastar neste período
- Ausência de outras mudanças ocorrendo: Ex.: controle dos esfíncteres
- Sempre que possível, desmame gradual, retirando uma mamada do dia a cada 1-2 semana
Dicas para desmamar:
- Para substituir algo muito prazeroso – que é a amamentação – por alimentos complementares devemos oferecer outros prazeres além do alimento (atenção, carinho, tato, abraços, beijos, dizer que o ama muito, etc.) enquanto este processo ocorre.
- Extrair o leite do peito e tentar oferecer uma mamada em copinho em vez do peito e observar como o filho reage. Quando ele se habituar, vá trocando gradualmente outros horários também. Oferecer a papinha na colher.
- Retire 1 mamada ao dia, durante 1 semana sem que ele perceba, distraindo com alguma atividade – brincar, sair, cantar, ouvir música. Diga a ele que espere um pouquinho e, às vezes, amamente no final, se ele quiser, para não o deixar ansioso.
- Evite desmamar o bebê em situação de estresse (mudança, nascimento de irmão, etc)
- Evitar enganar, mentir
- Faça acordo com seu filho.
- Ensine a ele o que é acabar. Ao terminar de dar uma papinha diga a ele que a papinha acabou porque ele está satisfeito e que o leitinho da mamãe também um dia vai acabar porque ele mamou bastante e está satisfeito.
- Envolva pai e familiares no desmame. Para retiradas das mamadas noturnas a ajuda do pai é sempre benvinda.
- Sempre que houver recaída. Volte a amamentar e recomece o processo novamente
KEIKO MIYASAKI TERUYA, Pediatra, doutora em Medicina Preventiva pela USP; com curso de especialização em Aleitamento Materno na Wellstar San Diego Lactation Program; por mais de 33 anos professora da cadeira de Pediatria do Curso de Ciências Médicas e Saúde da Fundação Lusíada; Co diretora do Centro da Lactação de Santos/Hospital Guilherme
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