Livros e mais livros

Antígona

20/01/2021
Antígona | Jornal da Orla

 O teatro é uma das chaves literárias de mais ágil e prazerosa leitura. A peça teatral reduzida em livro pode, por vezes, ser lida em menos de hora. A diferença deste gênero para os demais diz respeito à diagramação: uma peça é composta por cenas pelas quais desfilam os personagens e seus diálogos; e as cenas, ocasionalmente, são entrecortadas pelo coro, uma espécie de narrador externo que comentará as ações dramáticas.

Antígona é um clássico das tragédias gregas. A peça traz personagens que integram o imaginário popular: Antígona e Ismene são filhas de Édipo e Jocasta, conhecido casal que cai em desgraça quando se descobrem mãe e filho. Édipo fura seus olhos, Jocasta se suicida. Os outros dois filhos do casal incestuoso, Etéocles e Polinice, matam-se duelando pelo trono. Este é o ponto de partida de Antígona: Creonte, o rei tirano, decreta que Etéocles receba os rituais funerários de estilo, ao passo que condena o corpo de Polinice ao desonroso abandono.

É a partir da desonra imposta ao seu irmão que Antígona resolve, sozinha, desafiar o poder de Creonte. E o faz com força e coragem, sem apoio de ninguém, abalando a tirania sozinha, em plena sociedade dominada pelo masculino. Desafia o poder autoritário olhando-o nos olhos e não teme, nem mesmo quando é enterrada viva. É curioso notar como a peça se mostra incrivelmente atual: Creonte não tolera ser afrontado por uma mulher, tampouco ter suas ordens questionadas. Cego pelo poder, deixa até de ouvir os conselhos de Tirésias, respeitado sábio do reino. Segue-se daí uma inacreditável sucessão de tragédias que culminam no desmoronamento de um tirano. 

Em tempos de governantes autocráticos/misóginos que só pensam em poder – ao ponto de desacreditar eleições regulares -, Antígona emerge como um aviso: injustos regentes raivosos ficarão para a história como débeis tiranos.

    
Motivos para ler:
1– Sófocles (496 a.C./406 a.C.) foi um dramaturgo de Atenas muito homenageado no seu tempo, ocupando cargos de destaque no governo. Escreveu muito, mas pouca coisa chegou até nossos dias. Antígona e Édipo Rei são suas peças mais famosas – e, melhor ainda, se complementam;

2– Note que Antígona trata de temas que são universais desde sempre: a tirania, o direito à sepultura (tão relegado em tempos de pandemia), o rebaixamento da mulher na sociedade, a desobediência civil diante de grotescas ordens injustas. Pense nisso: milênios se passam e as questões continuam as mesmas, para o bem e para o mal; 

3– A peça evoca os registros iniciais de uma preocupação premente: a questão feminista e a inserção da mulher nas promoções humanas em todas as suas dimensões (social, política, trabalhista, intelectual). Sófocles parece questionar o domínio masculino quando introduz uma mulher como heroína e confere falas machistas a Creonte: “Se devemos cair, que seja pela mão de um homem”; “que atitude abjeta, render-se a uma mulher”. Episódios recentes (últimos 10 anos) neste país demonstraram que mulheres com poder afetam a frágil masculinidade de muitos. Já é tempo de abandonar a misoginia. 

 

 

 

 

 


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço.