E as jovens letras brasileiras, como andam? Muito que bem, pois sim. Há boa coisa sendo produzida por gente nova, talentosa e dedicada, e oxalá tenhamos oportunidade de fazer justiça a todos neste espaço. Foi com o recente e já premiado Torto Arado que Itamar Vieira Junior, baiano de 1979, irrompeu com vigor na cena literária brasileira. Todo mundo parou para ler esse livro. Lemos as duas primeiras páginas, tomamos parte do acidente das irmãs Bibiana e Belonísia e não acreditamos. E só melhora. Um assombro.
Estamos em Água Negra, uma fazenda cravada nas profundezas do sertão. A vida é o de sempre: famílias cativas que vivem ali “de morada”, vendendo suas forças a troco de quase nada para os herdeiros das sesmarias. O livro se divide -e se encontra- em três atos: Fio de Corte, narrado por uma das irmãs, que parte da fazenda para depois voltar irresignada; Torto Arado, guiado pela voz da outra irmã, que é resistência contra os abusos dos homens e da terra; e Rio de Sangue, cuja deslumbrante voz pertence a um espírito encantado que acompanhou a estória desse povo desde o trespassamento da África até a escravidão nestas terras.
O contexto do livro nos lembrou de Levantado do Chão, nosso Saramago favorito. O Nobel português assim o apresentou: “Levantado do Chão fala de trabalhadores. Aprendamos um pouco, isso e o resto, o próprio orgulho também, com aqueles que do chão se levantaram e a ele não tornam, porque do chão só devemos querer o alimento e aceitar a sepultura, nunca a resignação.” E assim Itamar tranca poderosamente o seu livro: “Sobre a terra há de viver sempre o mais forte.”
Virou chavão dizer que Torto Arado já nasceu clássico. Mas é isso mesmo. Um livro belíssimo, da estirpe rara dos geniais. E que permanecerá.
Motivos para ler:
1– Torto arado ressuscita um tema grandioso das letras brasileiras: a linda literatura poética do profundo mundo rural, dos sertões e suas cercanias. E, sobretudo, de nossa gente, pessoas que nascem, crescem, morrem e descendem em terras que nunca foram ou serão suas. Sem favor ou exagero algum já se ombreou com os grandes nomes do estilo;
2– Torto Arado foi, semana passada, anunciado vencedor do prestigiadíssimo Prêmio Jabuti na chave literária romance. Superou grandes nomes como Chico Buarque, Maria Valéria Rezende e Adriana Lisboa. De nossa parte, não houve surpresa. Todos os concorrentes são excelentes, mas Torto Arado despontou com seu realismo mágico, sua espetacular construção em três vozes e seu lirismo brilhante;
3– O livro conseguiu fundir o erudito com o popular num lirismo que só tínhamos visto em Viva o povo brasileiro de João Ubaldo Ribeiro (já fizemos coluna sobre ele, confira lá). Certamente ouviremos falar muito e mais de Itamar. Torto Arado é um livro encantado. Encante-se.
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