Diangelo, professora universitária estadunidense, dedicou mais de 20 anos de pesquisa científica ao estudo dos padrões raciais. Seu trabalho resultou neste bem sucedido livro que já nasceu clássico: Não basta não ser racista – sejamos antirracistas. Surpreendentemente – considerando que o tema revira sensações desconfortáveis para muita gente – o livro ocupa as primeiras posições das listas dos mais vendidos do mundo desde o seu lançamento.
Cada capítulo do livro funciona como uma lente ótica para esclarecer os diversos modos pelos quais o racismo opera e tenta a todo custo se perpetuar, mormente em nações erguidas sobre os escombros de uma escravidão duradoura. O eixo fundamental é provocar os brancos a amadurecerem e enfim notarem que as sociedades, os direitos, os recursos e privilégios foram construídos a partir da branquitude; afinal, é o homem branco quem domina as cadeias hierárquicas de gênero e raça e por isso têm o poder de definir a sua realidade e a dos demais.
O livro inaugurou um conceito muito feliz: a fragilidade branca, uma sensação encarnada em todos nós. Pesquisas demonstraram que as crianças desenvolvem um senso de superioridade branca desde a pré-escola. Todos os indicativos humanos evidenciam que há um sistema que privilegia brancos. E o branco, quando confrontado com esse estado de coisas, põe-se na defensiva, exercitando inconscientemente a defesa de seus privilégios: trivializa o racismo estrutural como se fosse uma questão individual, silencia a discussão, faz os brancos de vítimas, vocifera contra ações afirmativas de igualdade. Posições que, à evidência, reforçam o racismo.
“Se nos recursarmos a ver um problema, não poderemos lidar com ele”. Quanto menos se fala numa chaga social, mais ela cresce. Assuntos que reclamam políticas públicas de Estado devem receber luz e debate, nunca descaso. Não basta não ser racista.
Motivos para ler:
1 – Idealizado para promover reflexões sobre a consciência negra, o último 20 de novembro foi gravemente deturpado. Um ocupante de alto cargo afirmou que “não existe racismo no Brasil”, o mesmo que um par de anos atrás exaltou a beleza de seu neto usando o termo “branqueamento da raça”. A questão racial é forte no país, óbvia demais para ser ignorada. Perceba seu entorno: não são vistas pessoas negras em alguns ambientes (experimente encontrá-las no Salão do Automóvel e falhe miseravelmente); noutros, de forma muito rarefeita, como em boas escolas, restaurantes e universidades. Negros compõem a maioria do povo brasileiro. Onde estão os negros do Brasil?;
2 – A autora traz experiências interessantes. Veja esta situação em uma palestra que ministrou numa empresa: “Acabei de apresentar uma definição de racismo. Um homem branco está batendo o punho na mesa e gritando: “Uma pessoa branca não consegue mais empregos!”. Olho para a sala e vejo 40 funcionários, sendo 38 deles brancos.”;
3 – Brancos se beneficiam automática e instintivamente dos efeitos do racismo. Notar sua posição de fala e privilégio é o primeiro passo para avançar neste importante debate. A literatura também é um poderoso instrumento para ganhar empatia e despir preconceitos. Nossa vida é estreita. É lendo que tomamos parte do mundo, que conhecemos outros modos de ser e viver que não alcançaríamos senão pelas letras dos escritores. Ler mais e melhor te tornará um cidadão politicamente consciente e, sobretudo, livre.
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