Alguns livros encarnam movimentos literários inteiros porque conseguem enaltecer à perfeição a estilística de um específico recanto das letras. O Cortiço é um bom exemplo de livro-emblema: é considerado o expoente maior da escola naturalista brasileira porque, com muita competência, imprime às personagens fortes características instintivas (sentimentais, de sobrevivência, sexuais) derivadas do meio social-econômico em que convivem. Se para o Naturalismo o homem é produto de seu meio e de um pontual momento histórico, é justo considerar O Cortiço o sublime exemplar desse movimento.
A saga se desenvolve no Rio de Janeiro do século 19, possivelmente às vésperas da abolição da escravidão. Tudo começa com João Romão, um imigrante português com desejos delirantes de riqueza que muito se esforça – com suas economias e alguns ilícitos – para arrematar terrenos e neles construir estalagens de aluguel: eis o ponto de partida do grande Cortiço de São Romão.
O livro passa então a desfiar os moradores do reduto e os seus modos de ser e viver, todos incrustados e interagindo no pujante organismo vivo do cortiço. Ali encontraremos trabalhadores, exploradores e explorados, imigrantes e brasileiros de toda parte, o vizinho aristocrata que odeia tudo aquilo; enfim, dores e alegrias que se combinam, se desafiam e não raro se estranham e se degradam.
O Cortiço traz um recorte irônico da sociedade da época com mundos conflituosos que ora se digladiam entre si (Romão vs. Miranda, brasileiros vs. portugueses, mulheres vs. homens, patrões vs. trabalhadores) e ora se unem para combater um inimigo comum (moradores vs. polícia, Cortiço São Romão vs. Cortiço Cabeça de Gato). Embrenhe-se pelas moradas e vielas do cortiço de Aluísio, surpreenda-se com as peripécias dos moradores e espante-se com o terrível final do livro.
Motivos para ler:
1 – Há belíssimas edições à venda para aqueles que não dispensam – antes, colecionam – os livros físicos. Para quem se habituou à leitura digital, aproveitamos para lembrar que a obra já caiu em domínio publico, com disponibilização gratuita para download. Confira no site oficial dominiopublico.gov.br;
2 – Além da ágil e bem tramada estória, o melhor do livro é a linguagem. Lançado em 1.890, é repleto de oralidades e gírias da época que exprimem um mundo lingüístico vasto e desconhecido. Tomar parte de tudo isso, além de divertido, é enriquecedor em termos culturais;
3 – O Cortiço é um super clássico deste patrimônio maravilhoso que é a literatura brasileira. Uma pequena curiosidade: Aluísio Azevedo teve profícua produção artística de 1.882 a 1.895, ano em que abandona a literatura para ser diplomata, ingressando na carreira por meio de concurso público. Disse Azevedo que a literatura foi a sua “grilheta, muito pesada e bem pouco lucrativa”.
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço.