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Crônica de uma morte anunciada

16/09/2020
Crônica de uma morte anunciada | Jornal da Orla

Nunca houve morte mais anunciada do que a de Santiago Nasar.  

 

Esta pequena maravilha de livro-crônica, construção perfeita do gigante García Márquez, principia com a aurora do último dia de vida de Santiago: “No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30m da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo”. E poucos minutos depois o vilarejo caribenho inteiro já sabia das intenções homicidas dos gêmeos Vicário: “Só sei que às seis da manhã todo mundo sabia”. 

 

Os humores, os modos e as idiossincrasias dos moradores da cidadela colombiana são desvelados de uma forma originalíssima: o narrador, mais do que contar a estória, por vezes se traveste em jornalista e se lança a campo para colher o testemunho dos envolvidos e, assim, tentar resolver a violenta trama. Tudo contornado com o peculiar apuro de linguagem, a beleza e a poesia de um dos maiores latino-americanos de todos os tempos.  

 

Há muito conteúdo embutido nas entrelinhas deste curto romance (ou extensa crônica?). Perceba o modo como cada personagem reagiu ao assassinato premeditado, seus costumes retrógrados, o machismo escancarado de um povo que considerou um determinado personagem como “a grande vítima” da tragédia e tantas outras fórmulas sociais que atravessam toda a  narrativa. 

 

Desfrute de cada parágrafo desta clássica fatalidade anunciada.  

 

 

Motivos para ler:

1 – Gabriel García Márquez foi (é), sem favor algum, um dos maiores embaixadores da América Latina. Cronista (as melhores que já li!) e escritor de mão cheia, o colombiano foi aquilatado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1982 e possui vasta produção literária. Se ainda não o conhece, eis aqui uma bela porta de entrada. Tome um café com García Márquez e deslumbre-se com seu realismo mágico;

 

2 – O aclamado realismo fantástico, gênero literário profundamente desenvolvido por García Márquez, é uma jóia deste povo místico das Américas centro-sulistas. Os últimos três parágrafos do livro exprimem bem o estilo. Sua morte, em 2014, foi pranteada pelo mundo todo, inclusive com Barack Obama declarando-se fã e envergando com orgulho seu exemplar autografado de Cem Anos de Solidão;

 

3 – O título é feliz do começo ao fim: dado o texto curto, o livro parece se acomodar muito mais como uma crônica longa do que como um romance, embora normalmente seja assim catalogado. Aqueles que têm dificuldades em encarar livros pesados podem encontrar aqui um acesso fácil e direto à melhor literatura. E isso pode ser o início de sua íntima jornada literária, para sempre e sem fim.