Não é novidade que o cinema argentino está entre um dos melhores do mundo devido a qualidade de seus roteiros, mesmo tendo menos ou o mesmo investimento que o nosso país. É impressionante a quantidade de filmes dos nossos "hermanos", que possuem um nível infinitamente superior aos lançados no Brasil. O Cidadão Ilustre é mais um desses exemplos, onde aborda o papel do artista na sociedade atual na forma de uma sensacional comédia de constrangimento a partir de uma crítica ácida e bastante cínica à hipocrisia do convívio social.
No longa, o escritor argentino Daniel Montavani (Oscar Martínez), vencedor do Nobel de Literatura, vive na Europa há 30 anos. Quando o prefeito de Sala, sua cidade natal, decide homenageá-lo com uma Medalha de Cidadão Ilustre, ele vê uma chance de retornar à região que não visita desde a juventude e que ainda assim serve de cenário para seus romances. Chegando lá, ele confirmará as afinidades que ainda o ligam a Salas, assim como as diferenças que rapidamente o transformam em um elemento estranho e perturbador na rotina da cidade. O filme é dirigido por Mariano Cohn e Gastón Duprat com uma tensão constante por deixar o espectador na dúvida se ri de nervoso ou de algo realmente engraçado. Intensificando este sentimento com a câmera constantemente na mão, os diretores conseguem criar momentos tensos e constrangedores mas ao mesmo tempo engraçados, como na cena em que o protagonista conversa com um pai que quer uma "doação" para seu filho enfermo ou na impagável sequencia com o vaidoso presidente da associação artística da cidade, que não aceita que a obra que pintou seja rejeitada pelo crítico.
O roteiro, escrito por Andrés Duprat, brinca com as camadas do cinismo e do humor aliado ao comportamento de seu protagonista, que vai alternando entre a melancolia e o cômico, com o inevitável encontro com o passado e as consequencias decorrentes dele. Se em um primeiro momento, Daniel é recebido pela população como um "cidadão ilustre" da cidade, aos poucos vão surgindo as diferenças e os embates entre o intelectual arrogante e a simplicidade e provincianismo dos habitante de Sala. Com o decorrer do filme, o humor predominante em sua primeira metade fica de lado para que o conflito e a brutalidade se instalem, dando lugar a uma interessante atmosfera de suspense.
Desde o início, o filme não nos deixa esquecer que seu protagonista é uma pessoa arrogante e cabe ao brilhante ator Oscar Martínez a dura tarefa de fazer com que o público simpatize com sua figura. Sempre com uma postura tensa e rápido em seus inteligentes diálogos, Mantovani é uma figura sempre na defensiva desde o início em que chega na sua antiga cidade natal, mas que nos faz, em determinados momentos, compreender um pouco daquele homem e suas motivações com uma atuação cheia de sutilezas, que demonstra sua competência e inteligência.
O Cidadão Ilustre é um grande exemplar do cinema argentino que desafiará o público e pode até o deixar em um primeiro momento desconfortável, mas depois acaba o recompensando com uma experiência imprevisível, bizarra, engraçada e inteligente. Não necessariamente nessa ordem.
Curiosidades: Representante argentino no Oscar 2016 na categoria de Filme Estrangeiro, o longa também participou do Festival de Toronto 2016 e do Festival do Rio 2016.