Parem as máquinas, desliguem os celulares, desconectem-se do mundo e agarrem esse livro. Não se vê – ou lê – algo assim normalmente. Chegamos ao final desta epopeia brasileira e não entendemos: como alguém consegue escrever um livro assim? Foi a melhor fusão do virtuosismo erudito literário com o popular que já vimos. Não há nada parecido.
Viva o povo brasileiro é um romance histórico-fictício extenso, tanto em páginas (639) como no seu horizonte de eventos: são quase 4 séculos cobertos por incríveis personagens que vivenciam diversos episódios históricos ligados às profundas raízes deste país. Um épico terrivelmente brasileiro que atravessa o tempo real e inventado compreendido entre 1647 e 1977 com muito (muito!) lirismo, graça, poesia e ironia. Ao final, ficamos pasmos com a qualidade. E comovidos.
João Ubaldo entregou um livro que, ao cabo, conta a sina de um povo em busca de sua identidade. E o fez protagonizando fictícios heróis “ocultos” inesquecíveis. Dentre eles destacamos aquela que, para nós, é a maior personagem literária brasileira: a mística Maria da Fé. Nascida da extrema violência, presenciou ainda criança o assassinato da mãe e partiu numa cruzada de vingança que a transformou numa lenda da resistência. A habilidade de Ubaldo ao aproximar Maria da Fé do condecorado Patrício Macário é quase sobrenatural. Como se resolve um amor impossível entre uma mulher líder guerreira e um militar cansado de lutar contra seu próprio povo? Ubaldo Ribeiro dá uma aula com seu estilo exuberante.
O livro ambiciosamente se ambienta nas invasões holandesas, na ocupação portuguesa, nas revoltas de Farrapos e Canudos, na Independência, na Guerra do Paraguai, na abolição da escravidão, na República, no Estado Novo e na ditadura militar. O resultado é um romance épico, olímpico e polifônico com seus múltiplos personagens e enredos. Imperdível.
Um livro que cada brasileiro deveria carregar debaixo do braço. E no coração.
Motivos para ler:
1 – Não há exageros aqui: Viva o povo brasileiro não é só um clássico da literatura brasileira, é uma obra de arte. É um assombro de livro. Este colunista tem em Saramago seu escritor favorito e se dedica muito a ler os maiores escritores do mundo, mas uma voz muito íntima sempre cochicha em seu ouvido quando o assunto é Viva o povo brasileiro: “Ok, tem muita coisa boa por aí, mas este livro é a melhor coisa que você já leu na vida, não é?”
2 – Não se assuste com o número de páginas. São quase 700, mas os capítulos são pequenos e a prosa se desenrola bem mesmo com toda a erudição. Tudo isso torna a leitura fácil e prazerosa. Experimente e, ao final, orgulhe-se por concluir este clássico. Orgulhe-se também em compor as fileiras deste povo brasileiro, como bem quis Maria da Fé, ao bradar, entre uma luta e outra: “Agora eu vou ensinar vocês a ter orgulho.”
3 – Comemorou-se uma data cívica importante nesta semana. O 7 de setembro costuma evocar o patriotismo brasileiro, tantas vezes mal manipulado e enviesado pela politicagem populista. Aproveite o momento e devore Viva o povo brasileiro. Eis aí uma genuína homenagem ao sentimento patriótico nacional.
