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Dica da semana: Calibre

05/09/2020
Dica da semana: Calibre | Jornal da Orla

Domingo à noite estava dando uma conferida nas opções da Netflix para dar a dica da semana e encontrei este título de 2018, Calibre, que é uma dessas surpresas escondidas no serviço de streaming, igual aquelas que encontrávamos nos corredores de videolocadoras. Sem grandes pretensões, comecei a assistir a este longa, onde na grande maioria dos casos, você se coloca apenas como observador, acompanhando o desenrolar de uma história sem muito envolvimento, através de uma narrativa convencional e sem muitas inovações. Mas não. O grande mérito de Calibre, está na criação de uma atmosfera de suspense sufocante e agonizante que me colocou dentro da trama praticamente como um cúmplice dos dois protagonistas, cadenciando seus acontecimentos com uma frieza implacável, tratando de culpa e das consequências de estar no lugar errado e na hora errada.

No filme, amigos de infância, Vaughn (Jack Lowden) e Marcus (Martin McCann) decidem curtir o fim de semana e viajam para uma área remota da Escócia. Chegando lá, os dois são surpreendidos por uma situação cuja principal forma de superar é tentar agir normalmente. Dirigido com competência por Matt Palmer, em seu primeiro trabalho, Calibre é um competente suspense que desenrola sua simples e chocante história através de uma tensão contínua e sem pressa. O diretor conduz a narrativa manipulando a tensão do público do início ao fim, mostrando com minúcia cada detalhe e abordando um interessante dilema moral, pois por mais que saibamos que os protagonistas realizaram um ato cruel, acabamos ficando do lado deles e torcendo para que consigam se livrar daquela situação. O roteiro, também escrito pelo diretor, não oferece nada novo narrativamente falando, com uma trama convencional e que você já deve ter visto em outros filmes, mas conta com altas doses de tensão e angústia que te deixará aflito em busca do que poderá acontecer em seguida. Cada jantar, conversa, caminhada ou bebedeira no Pub da cidade parece que vai explodir e colocar tudo por água abaixo. O dilema moral criado pelo roteiro, funciona ainda melhor dada a complexidade e nossa aproximação com sua dupla de protagonistas, seja por um deles estar aguardando seu primeiro filho ou por fugirem dos estereótipos e tornarem-se humanos completos e falhos, com quem estabelecemos uma relação empática desde o início. Outro ponto interessante do roteiro é na construção narrativa de uma cidade pacata e por uma população sofrida mas orgulhosa de sua história, que nos fazem ressentir pelos acontecimentos, sendo que o roteiro poderia se aprofundar um pouco mais na história de alguns personagens secundários, dando maior peso à trama.

A fotografia do filme é sombria, com as florestas e estradas da Escócia sendo sempre retratadas com um tom mais acinzentado e com tomadas e planos gerais que mostram o quão aquela comunidade é isolada do resto do mundo, criando uma atmosfera sufocante e que deixa claro que não há escapatória para os protagonistas.

O relacionamento e interação dos dois personagens é desenvolvido de forma satisfatória aliado as ótimas interpretações de Jack Lowden, que consegue criar um personagem carismático, íntegro mas mesmo assim corruptível ao passo que Martin McCann entrega um personagem frio, calculista mas completamente humano.

Calibre foi uma grata surpresa no catálogo da Netflix com sua abordagem cruel e brutal que permanecerá na mente do público por algumas horas após o término da projeção. Com um ótimo clímax e uma resolução que levantará questionamentos, o filme não inova no gênero de suspense mas é eficiente em sua proposta de tensão e que levanta grandes questões sobre amizade, família, moral, justiça e caráter. 

Curiosidades: Ganhou o Prêmio de Melhor Filme Britânico no Festival de Edinburgh.