O holocausto nazifascista, por todos os contornos que assumiu, foi um dos episódios mais marcantes da história contemporânea. Bem por isso foi objeto de um sem número de obras literárias, além de numerosos filmes que até hoje povoam nossos cinemas. A percepção de mundo, após os horrores da 2ª Guerra, é outra. O tema continua candente no imaginário popular.
Primo Levi produziu uma bem sucedida literatura de testemunho: italiano de Turim e químico formado, foi deportado para Auschwitz em 1944 e sobreviveu. Voltou aos estudos científicos, mas também se dedicou à literatura “com a finalidade de liberação interior”, como assumiu no pórtico deste que é o seu grande livro. Aliás, a busca pela redenção de sua afligida humanidade parece nunca ter sido alcançada, a ver pelo modo como se deu sua sinistra morte.
É isto um homem? é, por aclamação, o melhor relato sobre a vida em um campo de concentração. Primo narra com espantosa lucidez seu tempo em Auschwitz, retratando as preocupações imediatas de quem vivia num constante estado-limite, com a morte à espreita todos os dias. O título do livro é bem posto porque, no fim de todas as coisas, foi isso mesmo: a ideia dos campos era desumanizar, transformar os presos em corpos ocos, despir dos homens toda a dignidade. Perto do fim, Primo Levi pontifica: “Destruir o homem é difícil, custou, levou tempo, mas vocês, alemães, conseguiram. Aqui estamos, dóceis sob seu olhar; de nós, vocês não têm mais nada a temer. Nem atos de revolta, nem palavras de desafio, nem um olhar de julgamento.”
Em seu prefácio, Levi sentencia com tintas de gelar a espinha: “Acho desnecessário acrescentar que nenhum dos episódios foi fruto da imaginação.” E o livro se abre em eventos impressionantes e minuciosamente bem contados, desde seu ingresso no campo até os últimos dias, culminando na chegada do exército russo e, enfim, a libertação.
Motivos para ler:
1 – Em meio ao tanto que já se produziu sobre o tema, fique com o melhor. Leia É isto um homem? de Primo Levi. Um livro que não lhe tomará 3 dias e a experiência será para sempre. Interessou-nos a ponto de motivar uma passagem por Auschwitz em 2014, quando tiramos a foto que ilustra a coluna de hoje;
2 – O livro é tocante porque a narrativa não é premida de ódio; ao contrário, é levada de forma racional e crua. Não há tampouco heroísmos. Daí ser o melhor livro sobre o assunto: um retrato fiel das condições de um prisioneiro e seus companheiros, com suas dores e terrores nada romantizados;
3 – O filme que mais gostamos sobre o holocausto é O Filho de Saul. Note que a câmera, do ponto de vista do ator principal, é ligeiramente embaçada nas periferias, demonstrando sua indiferença para com os horrores diários: eis o tal processo de desumanização de Primo Levi.