-Sai de casa, vai salvar a minha vaquinha antes que ela vá pro brejo!
-Mas, patrão, é um furacão!
-No olho do furacão não venta! Vai lá! A economia não pode parar, o seu emprego está em jogo…
Talvez um diálogo simplista assim seja suficiente para convencer aqueles que criticam o isolamento social, a pretexto de salvar a economia e os empregos.
Se a pandemia fosse um furacão, seria mais fácil os reticentes ficarem convencidos: o estrago na economia (não só nacional, mas mundial) está feito. O que ainda não está definido é o seu preço. O Banco Central estima crescimento zero do Produto Interno Bruto (PIB) – havia previsto um crescimento de 2,17%—, um projeção otimista diante de diversas outras. O Centro de Macroeconomia Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV), por exemplo, calcula que o PIB de 2020 ficará em -2,25%, isto é, uma despencada de 4,4% em relação a 2019.
Tentar retomar completamente a atividade econômica neste momento não vai impedir isso, ao contrário.
Mais caro
A Initiative on Global Markets at Chicago Booth (entidade que se destina a debater assuntos econômicos) fez uma pesquisa com 45 professores de economia, de instituições como Harvard, Yale, MIT, Berkeley, Princeton e Universidade de Chicago (ninho do pensamento liberal preconizado pelo ministro Paulo Guedes) sobre os efeitos da pandemia.
O levantamento pediu para ser deixado de lado o fator “vidas humanas” e se levasse em conta estritamente os aspectos econômicos. O resultado? Todos os ouvidos foram unânimes em afirmar que não adotar o isolamento social traz muito mais prejuízos do que retomar a atividade econômica plenamente antes do pico da pandemia.
Um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e do Federal Reserve (o banco central americano) sobre a pandemia da gripe espanhola em 1918 concluiu que as cidades que adotaram o isolamento vertical retomaram sua atividade econômica mais rapidamente do que as que tentaram isolar apenas os doentes.
Adotar o “isolamento vertical” (isolar apenas idosos, portadores do doenças crônicas e outras pessoas consideradas mais vulneráveis) não significa que o comércio e na prestação de serviços voltará à normalidade. Consumidores e trabalhadores certamente continuarão temerosos. Além disso, o aumento do absenteísmo (falta no trabalho por motivo de saúde) tende a explodir.
Redução de danos
No Brasil, economistas das mais diversas vertentes (dos mais liberais aos mais à esquerda), são unânimes em indicar o caminho a seguir. A providência necessária no momento é uma ação ágil e efetiva do governo federal, garantindo condições materiais mínimas para que as pessoas permaneçam em casa – sem trabalhar ou consumir, mas vivas.
“Ah, mas o governo federal não tem dinheiro para isso…” E tinha antes? O Brasil vem apresentando déficits fiscais (gasta mais do que arrecada) há muitos anos.
“Mas onde o governo federal vai arrumar dinheiro para pagar esses benefícios todos?”. Da mesma maneira como sempre fez, emitindo títulos da dívida pública, emitindo moeda, talvez sacando uma parte de suas reservas cambiais… o arsenal é variado, cabe à equipe econômica definir qual adotar.
“Mas quando vamos voltar à normalidade?”. Nunca, não vamos. O mundo já não é como era antes.
O que é preciso fazer agora é preservar a vida de todos e, quando o furacão passar, contabilizar os prejuízos e retomar o trabalho.
Demora do governo acentua crise
Economistas das mais diversas vertentes criticam a letargia do governo federal em implantar as medidas para atenuar os efeitos do Covid-19 na economia. Primeiro, demorou para definir o que ia fazer para reagir a uma tragédia mais do que anunciada. Segundo, anunciou medidas equivocadas, como a que previa a suspensão do pagamento dos trabalhadores por até quatro meses. Em seguida, divulgou um pacote de ações que, na prática, era a antecipação de recursos já previstos, mas nenhum dinheiro novo.
A indecisão continuou com medidas que não contemplavam parcelas importantes da população – informais, autônomos, microempreendedores… A bagunça persistiu quando o presidente e seu ministro da Economia anunciaram ações, mas colocaram uma série de empecilhos para o dinheiro verdadeiramente ser liberado. Paulo Guedes falou da necessidade de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Balela! Demonstrou desconhecimento ou, o que seria pior, tentou ganhar tempo.
Enquanto os brasileiros (trabalhadores informais, formais, autônomos e empresários) aguardam para ver a cor do dinheiro, o governo federal demora, alegando questões burocráticas e/ou legais —argumentos rechaçados com energia por especialistas em orçamento público, Constituição e responsabilidade fiscal.
Quanto mais tempo passa, pior fica. Mais fundo a vaca se atola e mais difícil retirá-la.
Privilegiados precisam dar sua cota de colaboração
O Covid-19 arrasa o país com força maior que o pior dos furações e penaliza os trabalhadores, sejam eles empregados, empresários ou autônomos. No entanto, há setores que precisam dar a sua cota de sacrifício.
Servidores públicos que ganham os mais altos rendimentos. Por exemplo: 65% dos juízes ganham acima do teto constitucional (mais do que R$ 39,5 mil por mês), vencimentos inflados por penduricalhos como auxílio-moradia.
Os verdadeiramente ricos: o Brasil tem 58 bilionários que, juntos, possuem uma fortuna de US$ 180 bilhões. 1% dos brasileiros mais ricos (pessoas que recebem R$ 27 mil ou mais por mês) ganha 40 vezes mais que metade da população mais pobre (105 milhões de almas).
Em 2019, o lucro dos três maiores bancos privados do Brasil somou R$ 63,2 bilhões: Itaú (R$ 26,5 bi), Bradesco (R$ 22,6 bi) e Santander (R$ 14,1 bi). Podem, assim, reduzir tarifas de serviços e taxas de juros.
Estes privilegiados precisam dar a sua cota de colaboração. Cabe ao governo federal debater e definir como isso pode ser feito.