Comportamento

Medo de mudar trava a vida

29/02/2020
Medo de mudar trava a vida | Jornal da Orla

“Depois do Ano Novo eu vou…” 
“Deixa passar que o Carnaval que eu…” 

 

O comportamento de ficar adiando a tomada de decisões até tem nome (procrastinação) mas, na maioria das vezes, ele é consequência de um problema ainda pior —e que também tem denominação pomposa: tropofobia. Medo de mudanças.

 

Faz parte da natureza humana estar eternamente insatisfeito com a vida: o trabalho, as relações afetivas, familiares, de amizade, principalmente depois da separação de um divórcio… A grande questão é quando a pessoa se acomoda e cria pretextos para não promover as mudanças que estão ao seu alcance. “O cultivo deste sentimento, mesmo havendo formas de revertê-lo, se deve à zona de conforto, que, apesar do nome, pode não ter nada de confortável.

 

Há uma predisposição para se condicionar a problemas que poderiam facilmente ser resolvidos se o indivíduo tomasse as rédeas da própria vida e assumisse os riscos de se aventurar em novos espaços”, afirma o escritor e filósofo Fabiano de Abreu. “Tem gente que não vive, apenas sobrevive”, completa.

 

O grande problema é que optar por abster-se da mudança e se render ao lugar de conforto diminui as chances de novas oportunidades aparecerem, pois coisas boas só acontecem quando há espaço para elas. “Temos apenas uma vida e se não dedicarmos cada minuto que temos para vivê-la da melhor maneira possível, mais à frente sentiremos falta do que não vivemos”, analisa. 

 

Viciados na tristeza
Reclamar da vida, cultivar o mau humor e não ter motivação são sintomas muito comuns em pessoas que seguem esse modo pensar e, segundo o filósofo, estas estão fadadas a sobreviver à chatice que impuseram a própria vida. “Elas evitam as mudanças necessárias para aproveitar a existência com plenitude. Parece até que se viciaram na tristeza e na reclamação e não conseguem se livrar dessas atitudes negativas”.

 

Ele acredita que é possível reverter a situação com posturas simples. “Encare as etapas da vida como capítulos de livros. Quando um se encerra, abrem novos caminhos e possibilidades”, recomenda. Segundo ele, as mudanças não precisam ser radicais. “Alterar pequenas coisas durantes o dia e abandonar hábitos ínfimos já podem melhorar a qualidade de vida e as relações interpessoais. Pesquisar novos conteúdos, enxergar o outro lado de uma questão e mudar o jeito de fazer coisas que já entraram no automático são alguns exemplos”.

 

Mas as mudanças radicais também podem trazer bons resultados: trocar de emprego, de cidade ou se separar podem significar a ruptura simbólica para o início de uma nova vida.

 

O ambiente onde a pessoa vive influencia decisivamente na maneira como ela reage às situações. Assim, é mais do que providencial escolher bem com quem se quer manter relacionamentos amorosos ou de amizade. “Há gente que nos inspira e arranca de nós o melhor. Mas também há quem nos contamina e adoece”, lembra.

 

Desligando o piloto automático
Criar rotinas é uma estratégia que o cérebro humano adota com o objetivo de viver com mais eficiência. Em linguagem simples: "deixar no piloto automático". 

 

Assim, o processo de mudança é o contrário disso, pois mudar requer esforço, energia e muita atenção. No entanto, para muitos, mudar é desgastante e pode gerar sentimentos como medo e angústia. 

 

A psicóloga Adriana de Araújo explica que o primeiro passo para a pessoa reverter esta situação é admitir que o problema existe. “Ser capaz de perceber que o medo paralisa e não ajuda no crescimento pessoal pode ser fundamental para ter consciência de que o problema existe”, afirma.

 

A especialista faz uma ponderação aos que relutam em tomar decisões equivocadas: “Ninguém nunca terá todas as informações suficientes para tomada de ação além do que se sabe naquele momento”. E acrescenta: “Mudar com equilíbrio e sem exageros faz muito bem à saúde mental, pois ajuda a criar novas conexões neurais, estimula a capacidade de adaptação e interação com o novo”.

 

Segundo ela, tão importante quando mudar sua rotina é adaptar-se a ela. A psicóloga cita uma frase do filósofo americano Leon C. Megginson, que a disse em 1963 inspirado na ideia central do livro “O origem das espécies”, de Charles Darwin: "Não é o mais forte quem sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças".

 

Substituição de hábitos
Mudar a vida depende basicamente de modificar hábitos. Não adianta tomar uma decisão que trará uma nova perspectiva à sua existência se a pessoa insistir em levar a antiga rotina e não adequar as suas ações ao novo cotidiano.

 

“Quase metade de tudo que fazemos são hábitos. É preciso identificar quais hábitos são construtivos e quais são limitadores”, alerta a fisioterapeuta Frésia Sá.

 

Ela explica que primeira decisão é identificar todas as características do padrão que deseja mudar na sua vida. Os pontos principais que se deve analisar são: gatilho, rotina e recompensa. “O que desperta em você a ação mecânica? Como são as etapas destas ações? O que você ganha com esta repetição diária de ações?”, questiona.

 

Ao invés de eliminar um hábito, ela recomenda a substituição por outro, com efeitos mais positivos. E, tão importante quanto esta mudança, é a sua manutenção. “É preciso incorporá-lo à sua vida, não pode ser uma ação isolada”.

 

A fisioterapeuta lembra que toda mudança irreversível demanda um tempo para se consolidar. Ela cita o exemplo de um experimento feito na Universidade College London com 96 pessoas, no qual o simples hábito de passar a beber um copo de água todas as manhãs levou 21 dias para se consolidar. Assim, é natural que hábitos mais complexos e que trazem repercussões mais profundas na vida da pessoa demorem mais tempo para se solidificarem.

 

Foto: FreePik