Carnaval chegando, com ele as velhas marchinhas, entre elas a inesquecível Allah-la-ô, de Haroldo Lobo e Antônio Nássara. Em cidades como Santos, mais inesquecível ainda, pois ao calor do Sol tropical, ao mormaço do verão e ao famoso aquecimento global soma-se o fenômeno dos micro-climas que se intensificou nos últimos anos. Como a ventilação da cidade diminuiu devido ao paredão de concreto da praia e das principais avenidas, a sensação de calor só aumenta, ô ô ô ô…
A canção carnavalesca de 1941 contava a história de um grupo que veio do Egito, enfrentando o calor do deserto do Saara. Talvez devessem voltar e reaprender com seus ancestrais alguns truques para reduzir o problema. Por que será que, num deserto tão quente de dia (e que pode ser bem frio de noite, bom lembrar), os beduínos andam cobertos de roupa, da cabeça aos pés? Há uma razão…
Para um árabe, a roupa é uma segunda casa. Além de proteger da poeira, evita que o corpo se desidrate e reduz a temperatura corporal. As cores claras, além disso, absorvem menos o calor.
Do outro lado do Mediterrâneo, as casas gregas também são brancas de propósito, como também as vemos no interior de Portugal. Na hispânica Andaluzia, seguindo a influência moura, as casas mantiveram a ideia do jardim interno, acrescentando as famosas varandas internas e externas. Um exemplo santista é o interior do Convento do Carmo, no Centro. Nas ‘haciendas’ do interior mexicano, um amplo telhado, indo muito além das paredes da casa, garante uma confortável sombra em seu interior.
Muitos exemplos mundo afora – Visitei Cartagena de las Índias, na Colômbia, mas nem precisaria sair da Baixada Santista para ver inúmeros exemplos de casas coloniais com paredes grossas que ajudam a controlar a temperatura, ou ver casas senhoriais com a chamada “bandeira” sobre a porta, uma espécie de janela que poderia ficar aberta para melhorar a ventilação, deixando sair o ar quente e viciado da casa.
Antigas casas portuguesas eram ainda revestidas de azulejos nas paredes externas: reduziam a transmissão do calor para o ambiente interno.
Vi na Europa janelas com vidros duplos. Entre o externo e o interno, forma-se um colchão de ar que reduz a penetração do frio. O mesmo princípio permitiria controlar a entrada do calor senegalesco, além das películas de vidro escurecidas para reduzir a entrada de luz (que, bem sabem, vira calor, é o princípio construtivo das estufas).
Pense agora numa chaminé. O ar que passa no seu topo “puxa” a fumaça para fora. Agora, elimine a lareira: o ar puxado naturalmente pela chaminé será o do ambiente interno. Deixe o ar entrar por alguma abertura na parede e sair pela chaminé e pronto: eis um circulador natural de ar!
Já os “atrasados” indígenas brasileiros compartilham com a “avançada” civilização japonesa o segredo de construir casas confortáveis, com materiais leves, como o bambu. Aberturas junto ao solo e no alto da paredes promovem a renovação do ar. Com ou sem tatame, são moradias bem mais gostosas do que certas habitações santistas em dias de calor intenso…
A questão é: em todos esses lugares, não é preciso instalar aparelhos condicionadores de ar! Então, desaprendemos as milenares técnicas construtivas? Veja só: nos eletrodomésticos, você vê uma etiqueta Procel com dados sobre seu consumo de eletricidade. E nas moradias? Alguém já perguntou a um engenheiro civil qual o coeficiente térmico do último telhado que construiu, das paredes, do piso? Se o projeto considera paredes de alta absorvância ou alta refletância?
Qual a razão de vivermos em verdadeiras estufas, com paredes de vidro e sem qualquer abertura de ventilação? O que justifica usar janelas “de correr”, que oferecem só metade da ventilação das de abertura plena? Por que não se faz o ar correr por dentro das paredes ocas mais modernas?
Verdade que alguns desses conhecimentos antigos foram reciclados para o mundo atual, sendo empregados em alguns lugares ao redor do mundo. Ouviu falar em Arquitetura Bioclimática? Sabia que ela ajuda até a evitar doenças?
Pense nisso, nestes próximos e calorentos dias de Carnaval: por que motivo tão pouco é feito para reduzir o calor santista, meu bom Allah? Só não reze por mais chuva, que Iaiá e Ioiô podem se afogar – e esta já é uma outra história…
IMAGENS:
1 – O princípio da chaminé, com nome sofisticado: torre de resfriamento evaporativo
Imagem: http://projeteee.mma.gov.br/estrategia/ventilacao-natural/
2/3 – Torre de vento, numa residência moderna ou numa antiga mesquita em Marrakech
Imagens: http://projeteee.mma.gov.br/estrategia/ventilacao-natural/