Nesta época do ano, é comum as pessoas manifestarem com mais intensidade sentimentos como afeto, generosidade, cordialidade, caridade e solidariedade. No entanto, infelizmente, a regra é, passado do Natal, as pessoas deixarem de praticar estes sentimentos e voltarem à “normalidade”, sendo intolerantes, agressivas, prepotentes, individualistas etc. Mas o que, de fato, faz aflorar nas pessoas sentimentos positivos nesta época do ano? Alegria, pura e simplesmente? Sentimento de culpa? Convenção social? E como fazer para que estes atos positivos sejam praticados ao longo de todo o ano?
Evidentemente, perguntas complexas como estas não possuem explicações simples, mas dois especialistas do comportamento humano nos ajudam a iniciar um caminho em busca de respostas: o psicólogo e jornalista Marcus Batista e o doutor em psicobiologia Marcello Árias Danucalov.
Tempo de fraternidade
O psicólogo e jornalista Marcus Batista (foto) pondera que o “espírito natalino” varia de acordo com a personalidade de cada pessoa, seus valores e crenças. “Cada caso é um caso. Existe um inconsciente coletivo, um comportamento adquirido pela cultura, seja pela religião, seja pelas convenções sociais, de que é preciso pelo menos aparentar uma felicidade, alegria, por conta do tal espírito natalino”. E acrescenta: “a pessoa faz muitas coisas esperando a aprovação do outro, a aprovação dos grupos sociais”.
Batista ressalta que há ainda o fator econômico. “Tem gente que aposta no consumo, para aparentar esta ideia de felicidade”. No entanto, ele destaca que o Natal traz um olhar culturalmente positivo, de reflexão. “O que cada um vai fazer com esse olhar positivo é que nós não temos como prever”.
O psicólogo lembra o caráter excepcional da data e, neste sentido, que ela deve servir como conforto para pessoas que vivem fases difíceis. “O Natal muitas vezes consegue representar para alguém aquilo que durante o ano, por uma série de razões pessoais e sociais, não foi possível acontecer”, avalia.
Foto Marcio Barreto/Divulgação
Maturidade
Para Marcello Árias Danucalov, a prática do “espírito natalino” evidencia o grau de maturidade que uma pessoa possui, perante sua própria existência e o grupo social ao qual pertence. “Quando mais jovens, somos egocentrados. Quando o indivíduo fica mais amadurecido, passa a se atribuir um papel existencial, sabe quais são seus valores e princípios, começa a se perceber como um agente social, que tem mais deveres que direitos, assume mais responsabilidade. Nesse sentido, valores como a caridade, a fé, os ditos valores teologias, aqueles vindos da base da igreja, possam a fazer mais sentido”, explica. “As pessoas mais maduras vivem o espirito natalino porque estão realmente conectadas com estes valores”.
Danucalov alerta que acreditar que as pessoas “voltam ao normal” após o Natal pode ser uma percepção falsa. “Precisamos saber de quais pessoas estamos falando. Provavelmente existem pessoas que, ao longo do ano, possuem sentimentos mais alegres, pensamentos positivos, e que não são guiados por sentimentos de culpa ou convenção social durante o ano inteiro. Um dos grandes vícios da modernidade é o pensamento metonímico, que é atribuir ao todo as características de uma parte menor”, diz. Segundo ele, o grau de manifestação destes bons sentimentos e ações vai depender da maturidade de cada um. “Não existem duas pessoas iguais, ainda que pessoas estar em níveis de amadurecimento similares”.
Foto Divulgação
Direitos e deveres
O especialista faz outra ponderação: “o Brasil tem uma Constituição em que o cidadão possui mais direitos do que deveres. Isso faz o indivíduo acreditar que não tem deveres, como praticar a caridade, que deve ser feita exclusivamente pelo Estado. E, assim, ele deixa de olhar para o morador de rua, dar bom dia…”
O ano inteiro
Marcus Batista e Marcello Danucalov destacam que praticar o “espírito natalino” permanentemente, e não apenas nesta época festiva, é o maior de todos os desafios. “É a questão mais difícil de todas, que os religiosos, filósofos e psicólogos se perguntam. Não vejo fórmula e desconfio de receitas”, alerta Batista.
Mas ele indica um possível caminho: “É aquilo que está nas palavras de Jesus Cristo, daquilo que é ser cristão, mas não no sentido religioso, institucional, mas filosófico. Olhar para o outro, se preocupar com o outro, tratar o outro como ele merece, como você gostaria de ser tratado. Isso está nas pequenas atitudes, pequenas ações, pequenas experiências. A gente muitas vezes acaba procurando glamour na vida, mas esquece de uma coisa importante. Nos momentos de crise, nas situações difíceis, o que a gente se lembra sempre é das pequenas coisas, estas que são as grandes coisas. Pequenas convivências, pequenas porque são simples, singelas. O tal espírito de Natal está nas coisas cotidianas, que acontecem o ano todo.
Então, a gente não precisaria ter uma data, uma data comercial. É uma data que pede esta filosofia cristã, mas que também está presente em outras grandes religiões, como as afro-brasileiras, no espiritismo, no judaísmo e islamismo: a ideia de você se importar com as outras pessoas e conviver bem. Cada um do seu jeito. Então, a gente não precisaria ter uma data para que isso acontecesse”, argumenta.
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