Desde o início dos anos 2000, quando o acesso às novas tecnologias deixou de ser privilégio da classe média, de tempos em tempos um acalorado debate reaparece no meio cinematográfico: a democratização do ato de filmar, seja através de câmeras digitais ou celulares, pode revolucionar o audiovisual com a produção de novos cineastas e filmes?
Até hoje não existe uma resposta definitiva para essa questão. ‘Imagens de um Sonho’, terceiro curta-metragem do jornalista e documentarista itanhaense Leandro Olimpio, não se propõe a respondê-la. Mas contribui para o debate ao se apropriar de vídeos amadores gravados exclusivamente (há uma única e justificada exceção) por trabalhadores terceirizados da Petrobras.
Ao longo de uma década, entre os anos de 2008 e 2018, o Youtube foi invadido por imagens do dia a dia do ‘chão de fábrica’ na principal estatal do país. Mesmo que não fosse essa a intenção, filmando a si próprio o operário também filmava as transformações pelas quais passava a empresa e o país: o crescimento econômico, a formação da chamada nova classe média, a sensação do pleno emprego e o acesso dos mais pobres ao consumo.
“Com a disparada no preço do barril do petróleo e a descoberta do pré-sal, em 2008, o céu parece o limite”, comenta Olimpio na primeira parte do filme, lembrando que a Petrobras viveu um crescimento vertiginoso e foi parte da euforia que invadia o país.
Dividido em duas partes, o documentário respeita a cronologia dos fatos e, aos poucos, apresenta as contradições, limites e encruzilhadas vividas pela companhia e por sua força de trabalho. Como sabemos, a Petrobras não se destacou somente nos anos em que se dizia que “nunca fomos tão felizes”. Para sua desgraça, este protagonismo ganhou ainda mais força ao se tornar, a partir de 2014, no epicentro da crise econômica, social e política do país.
Em seu último trabalho, ‘Elza’, escolhido pelo público do 16º Curta Santos como melhor filme na categoria Olhar Caiçara, o diretor lança mão da locução em primeira pessoa. Em uma espécie de ensaio sobre sua avó e o papel da memória, o diretor se implica enquanto realizador e protagonista da história retratada. Em ‘Imagens de um Sonho’, mais uma vez temos a companhia de sua voz, mas o procedimento se concretiza de modo distinto. Com presença mais sóbria e distante, não se trata mais de um personagem da história, mas de um observador que se propõe a estudar as imagens selecionadas.
A observação e organização minuciosas do material pesquisado, materializadas por meio da montagem e escolha da locução como dispositivo de mediação, permitem ao diretor ressignificar o sentido das imagens. Se em estado bruto e dispersas no vasto mundo da internet não eram mais do que fragmentos da vida operária, ao serem lapidadas se convertem num valioso documento histórico.
Em ‘Imagens de um Sonho’ o despretensioso e precário registro privado ganha relevância pública. Ao longo de vinte minutos, somos convidados a testemunhar uma intensa e emocionante jornada da classe trabalhadora brasileira.
Sinopse
Composto de vídeos publicados no Youtube por terceirizados da Petrobras, o filme explora um capítulo importante do país através de fragmentos da vida operária dentro e fora da fábrica. Com suas próprias mãos, a classe trabalhadora registra – ao longo de uma década (2008-2018) – as alegrias e dissabores de sua jornada.
Confira o trailer:
Biografia/Filmografia
Leandro Olimpio, 33 anos, é jornalista. Atua na área de comunicação sindical, na Baixada Santista (SP), com experiência em cobertura e produção audiovisual dos movimentos sindical e sociais. Dirigiu em 2016 o curta-metragem ‘Última Província’, que aborda os dilemas em torno do pré-sal brasileiro. Em 2018, com ‘Elza’ recebeu o prêmio de Melhor filme pelo Júri Popular da categoria Olhar Caiçara do 16ª Curta Santos. O filme foi selecionado em 10 festivais pelo país, sendo premiado também no II Cine Açude Grande, realizado em agosto de 2018, como Melhor filme pelo Júri Popular e Menção Honrosa pelo Júri Técnico.
