Comportamento

Tão perto… tão longo…

23/02/2019
Tão perto… tão longo… | Jornal da Orla

O embarque na balsa acontece pontualmente, sem fila de espera. A bordo, dezenas de carros e centenas de pessoas fazem a travessia tranquilamente, apreciando a paisagem. Trata-se do ferry-boat que liga Tanger, no Marrocos, a Tarifa, na Espanha —portanto, entre dois continentes (África e Europa). Uma distância de 30 quilômetros, vencida em precisamente uma hora. É justamente metade do tempo em que o usuário da travessia entre Santos e Guarujá é obrigado a aturar para cruzar os cerca de 400 metros de distância. 

 

Enquanto outros locais com características similares contam com ligação seca (ponte ou túnel), por aqui somos obrigados a usar um modelo completamente ultrapassado. Para se ter uma ideia, na cidade (também portuária) de Hamburgo, na Alemanha, a comunidade local comemorou em 2011 o centenário da inauguração do Elbe Tunnel, uma ligação subterrânea de 426 metros de extensão, entre duas margens de um dos maiores portos europeus. Uma construção que resolve a questão de transporte de cargas e pessoas, sem comprometer a atividade portuária.

 

A travessia Santos-Guarujá completou 100 anos de funcionamento em janeiro do ano passado e continua praticamente igual. Em seus comunicados de “investimentos e ações positivas”, a Dersa (estatal que opera o sistema), se vangloria de ter gasto R$ 23,3 milhões nas travessias litorâneas em 2018. Mas, hoje, das nove embarcações que deveriam fazer a travessia Ponta da Praia-Santa Rosa, quatro estão fora de combate. A empresa garante que uma volta a funcionar na segunda-feira (25) mas as outras três precisam de reformas e não há previsão de quando elas começarão a ser feitas. 

 

O diretor-presidente da Dersa, Milton Roberto Persoli, admite que a travessia opera no limite, não há manutenção preventiva e é preciso aumentar a quantidade de balsas. “É uma frota envelhecida”, lamenta. Segundo ele, as quebras constantes se devem à idade avançada dos motores — entre 15 e 25 anos.

 

Persoli acredita que a solução é entregar a exploração do sistema à iniciativa privada. Ele cogita duas possibilidades: concessão ou PPP (Parceria Público-Privada). No primeiro modelo, a empresa ganha com o que cobra de tarifa; no segundo, o usuário paga uma parte e o Governo do Estado subsidia o resto. Ele acredita que o tipo de negócio será definido em até dois meses e a concorrência pública concluída até o fim do ano.

 

Negócio milionário

Foto: Divulgação/Dersa

 

Segundo a Dersa, a travessia Santos-Guarujá transporta cerca de 22,1 mil veículos por dia (13,5 mil automóveis e 8,6 mil motos). A tarifa para um veículo de passeio é de R$ 12,30; para motos, R$ 6,20. Numa conta de padaria, num dia “normal” o sistema fatura cerca de R$ 219,37 mil por dia. Este número aumenta em feriados prolongados como o Carnaval, quando são esperados 149.233 veículos (105.345 automóveis e 43.888 motos), entre sexta-feira (1º) e quarta-feira (6). Assim, deve ser arrecadado R$ 1,567 milhão em tarifas apenas neste período. Imagina o ano inteiro.

 

Projetos e mais projetos, por cima e por baixo

Foto: reprodução

 

Não faltaram projetos de ligação seca entre Santos e Guarujá, um mais mirabolante que o outro. 

 

O mais antigo que se tem notícia é o túnel elaborado pelo engenheiro Enéas Marini, em 1927, inspirado no que havia sido construído sob o rio Elba, em Hamburgo (Alemanha). Ligaria a região do Mercado, no Paquetá (Santos) à estação de barcas de Vicente de Carvalho, num percurso de 900 metros. Ficou no papel.

 

Em 1950, o engenheiro Luiz Muzi projetou uma ponte na Ponta da Praia, com rampas em espiral. Também ficou no papel. 

 

Também nos anos 1950, o urbanista projetou uma ponte, elevadiça, ligando o Saboó (em Santos) a Vicente de Carvalho (Guarujá), com três pistas e uma linha férrea. Ficou no papel.

 

Em 2009, a Dersa apresentou o projeto de uma ponte estaiada na Ponta da Praia, mas cuja construção era inexequível (comprometeria o trânsito de navios no canal do Porto e exigiria um número gigantesco de desapropriações). O então governador José Serra virou motivo de chacota, pois ficou a imagem de que teria inaugurado uma maquete. O plano ficou no papel e na maquete.

Foto: arquivo

Em 2013, o projeto mais mirabolante de todos foi apresentado: um túnel submerso, com 762 metros de extensão, ligando o Macuco (Santos) ao Sítio Conceiçãozinha (Guarujá). Além de não ter o aval das prefeituras e da Codesp, a obra tinha um custo altíssimo: R$ 2,4 bilhões. No entanto, foram enterrados R$ 33,6 milhões no projeto executivo. O túnel ficou na computação gráfica.

 

O projeto da vez é o da Ecovias: em troca de uma ampliação no prazo de exploração do sistema Anchieta-Imigrantes), a empresa construirá uma ponte, com oito quilômetros de extensão, ligando  a Via Anchieta (entrada de Santos) à Rodovia Cônego Domênico Rangoni. 

 

Foto: Leandro Amaral/Arquivo