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Regionalização do Porto de Santos: Fato ou fake?

15/09/2018
Regionalização do Porto de Santos: Fato ou fake? | Jornal da Orla

Após lhe servirem um café frio em Brasília, o secretário nacional de Portos, Luiz Otávio Campos, veio a Santos na segunda-feira (10) e anunciou, para surpresa geral, que a gestão do Porto de Santos pode ser regionalizada ainda este ano. “Basta uma solicitação do governador e nós, rapidamente, em 90 ou 120 dias, podemos fazer isso”, declarou, ao participar do Santos Export, evento promovido pelo grupo A Tribuna para discutir questões portuárias. 

“Nós estadualizamos em 90 dias o Porto do Amazonas. Até o fim do ano, eu estadualizo a parte técnica e burocrática de Santos, caso exista interesse”, garantiu.

Em poucos minutos, o secretá rio pareceu ter solucionado um problema que se arrasta sem solução há mais de duas décadas. O anúncio deixou estupefato até mesmo o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Mario Povia. “Foi uma surpresa, mas não vemos isso com maus olhos”, afirmou.

O deputado federal Beto Mansur (MDB), político que frequenta o círculo íntimo do presidente da República, reforçou: “Tem toda chance de sair numa canetada”, disse, ao revelar que Temer pediu ao Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil um parecer sobre o assunto.
 

Modelo precisa ser definido

Este cenário dos sonhos parece muito longe da realidade, já que o tema é complexo e apresenta impasses ainda insolúveis. O consultor em finanças públicas Rodolfo Amaral, que estuda o tema há mais de duas décadas, é cético quanto ao sucesso do processo em um prazo tão curto. “Não se definiu o modelo desta regionalização e muito menos a responsabilidade pelo passivo da Codesp, que é de quase R$ 1 bilhão”, alerta. 

Segundo ele, outro aspecto a ser considerado é de onde sairão os recursos para os investimentos necessários ao funcionamento eficiente do porto, como dragagens e obras de infraestrutura.  Amaral acrescenta que também precisa ficar pacificado o entendimento sobre os pagamentos relativos aos contratos de arrendamento. 

Outro aspecto é o tamanho da Codesp. “Ela tem um custo elevadíssimo, são cerca de 1,5 mil funcionários, com um salário médio de R$ 15 mil. Poderia funcionar perfeitamente com a metade”. 

Para o consultor, o Governo do Estado e os municípios poderiam dividir a participação acionária da Codesp, mas a gestão deveria ter uma visão privada, para evitar ingerências políticas. 

Os dados recentes indicam que a Codesp é uma empresa viável. Em 2017, ela teve um faturamento de R$ 911 milhões, com um lucro de R$ 44 milhões. Ano a ano, o porto aumenta sua movimentação (foram 129,9 milhões de toneladas no ano passado) e a projeção é fechar 2018 com um recorde histórico. A aposta é que, com uma gestão mais enxuta e ágil, a eficiência possa aumentar. 

 

Muito além das indicações políticas
O consultor portuário Fabrizio Pierdomênico adverte: “Se for para discutir se quem vai nomear o diretor será o prefeito, o governador ou o presidente, será uma decisão pequena. É preciso discutir a legislação, recompondo o conselho de administração como era antes, em que havia institucionalmente pesos e contrapesos entre autoridade portuária e conselho de autoridade portuária, onde a representação regional estava efetivamente presente, do Governo do Estado, da União, das prefeituras, do operador portuário local, do trabalhador local e do empresariado local. Esses sim discutindo o futuro do porto, discutindo as estratégias mais corretas, aprovando PDZ (Plano de Desenvolviemnto e Zoneamento), orçamento, o regimento interno para uso do porto… Isso sim, para mim, a regionalização do porto. É a capacidade de trazer o debate para perto de quem usa, opera e territorialmente empresta sua área. Se não for isso, será apenas a discussão de quem nomeia a diretoria do porto”.

 

Novela de décadas

A gestão local do porto (regionalização/estadualização) é uma lenda que disputa a longevidade com outra — a da ligação seca entre Santos e Guarujá. Normalmente, o tema retorna com mais força às vésperas de eleições. 

Em seu mandato como prefeita de Santos, entre 1989 e 1992, Telma de Souza (PT) defendia a regionalização do porto de Santos. A proposta ganhou maior evidência durante e greve de 28 de fevereiro de 1991, quando o presidente era Fernando Collor.

Em 24 de marco de 1997, foi sancionada a Lei 9511/97, de autoria da então deputada estadual Maria Lúcia Prandi (PT), que autoriza o Governo do Estado a regionalizar o Porto de Santos.

Em junho de 2001, o então ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, informou ao governador paulista na época, Geraldo Alckmin, que o porto seria estadualizado e levaria o nome de Mario Covas, ex-governador falecido em 6 de março daquele ano.

Em 23 de agosto de 2001, foi criado um grupo de trabalho, com representantes dos governos federal, estadual, prefeituras, empresas e sindicatos, para encaminhar o assunto.  

Em 11 de outubro de 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, em discurso na inauguração do primeiro trecho do Rodoanel, garantiu: “Vou regionalizar o Porto de Santos”.

Dois meses depois, o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, engavetou a proposta, por discordar de que a União deveria herdar o passivo da Codesp, estimada na época em R$ 700 milhões (em valores atualizados, algo em torno de R$ 2 bi).

Na campanha eleitoral de 2002, candidatos a deputados (estadual e federal) do PT prometiam a implantação imediata da regionalização do porto, caso Lula fosse eleito presidente. 

Em 11 de julho de 2003, o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu (PT), em visita a Santos, descartou a regionalização do porto, alegando que apenas a União seria capaz de realizar os investimentos necessários.

O mais próximo que o porto de Santos chegou de uma regionalização foi em agosto de 2008, quando o então ministro da Secretaria Especial de Portos, Pedro Brito, nomeou o secretário de Assuntos Portuários da Prefeitura, Sérgio Aquino, para ser o presidente do Conselho de Autoridade Portuária (CAP). Ainda assim, presidente e diretores da Codesp continuaram sendo nomeados pelo governo federal. 

Em 10 de abril de 2017, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil publicou uma portaria “para constituir grupo de trabalho com vistas a elaborar proposta de delegação de competências do Poder Concedente às Autoridades Portuárias”.

Após o anúncio feito pelo secretário nacional na segunda-feira (10), a Secretaria Estadual de Transportes começou a elaborar uma proposta que viabilize a regionalização. 

Trata-se, portanto, de um tema complexo, que não consegue ser resolvido “numa canetada” e precisa ser incluído do atual debate de eleição presidencial.