No mês das tradicionais festas juninas do ano passado, os operadores portuários do Porto de Santos viveram momentos que nenhuma relação havia com festividades. Ao final do dia de uma sexta-feira, foram surpreendidos com a redução do calado oficial do Porto, em quase um metro, provando cenas inusitadas: navios já prontos para zarpar foram forçados a cancelar suas saídas e descarregar contêineres, que haviam sido carregados em períodos de trabalho anteriores, como única forma de permitir autorização de navegabilidade pelas autoridades marítimas e portuárias, em vista da profundidade insuficiente no canal do porto.
Ou aliviavam o peso ou permaneceriam atracados, vivenciando os mesmos dramas de alguns navios, programados para embarques de granéis sólidos, que foram forçados a interromper suas operações. Os problemas, causados pela falta de dragagens no porto, haviam chegado a um nível insuportável. Representantes de todos os segmentos envolvidos protestaram, gerando inclusive uma entrevista coletiva envolvendo todas as entidades representativas, que, de forma pioneira, se posicionaram dura e veementemente, alegando inclusive que estas ocorrências repetitivas aceleravam ainda mais o descrédito do país no comércio mundial.
Daquele triste período surgiram movimentos na busca de soluções. A Codesp, lutando para resolver os embaraços judiciais e viabilizar a retomada de dragagens, e as entidades empresariais, do setor portuário e marítimo, estudando formas para apresentar propostas de novas modelagens para as dragagens no Porto de Santos.
Com o passar do tempo, as dragagens foram retomadas e recuperada parte da profundidade perdida no canal, como também eram impulsionados os contatos das entidades empresariais, pleiteando ao governo procedimentos para avaliações sobre os problemas e soluções para a falta de dragagens no maior porto do hemisfério sul. No campo dos debates, para avaliar o modelo e propor novas soluções para a dragagem, foi publicada pelo ministro dos Transportes, em 1º de novembro, uma portaria, criando um Grupo de Trabalho Governamental para receber propostas e debater nova modalidade para a gestão do canal do Porto de Santos, incluindo os serviços de dragagem, com prazo para finalizar seus trabalhos até o dia 2 de fevereiro deste ano.
O Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp) contratou profissionais para desenvolvimento de estudos e apresentações de propostas legais e econômico-financeiras e, atuando em conjunto com outras entidades empresariais, apresentou a proposta de ser criado o Condomínio Portuário, para a gestão do sistema aquaviário do Porto de Santos, envolvendo assim a dragagem e todos os serviços correlatos.
O Condomínio seria uma solução inovadora, logicamente exigindo alteração legal, e sua proposta foi recebida pelo governo como sendo um instrumento piloto, que poderia ser futuramente replicado na mesma forma ou adaptado para outros portos pátrios.
Reuniões e debates ocorreram. O prazo para o final dos trabalhos foi prorrogado e nesta semana foram apresentadas as conclusões. O Condomínio Portuário foi considerado válido e possível, dentre algumas propostas alternativas avaliadas pelo Grupo Técnico do Governo, que concluiu por seguir com outras opções, definidas pelos representantes do poder público, como sendo de menor risco e de maior celeridade.
Desta forma, neste momento a dragagem no Porto de Santos não poderá contar com a proposta inovadora do Sistema Condominial. Porém, se ficamos sem o condomínio, podemos afirmar que estamos com decisões do Grupo Governamental. No momento não teremos o condomínio, porém não há derrotas. O primeiro grande objetivo, do movimento gerado pela proposta condominial, foi plenamente alcançado. A constatação de que o modelo atual não tem como ser mantido e precisa ser implantando um novo, que garanta as profundidades no sistema aquaviário do Porto de Santos: canal, bacias de evolução e pontos de atracação.
O Grupo de Trabalho do Governo definiu que, neste momento, não seguirá com o Condomínio, mas vai trabalhar, com urgência, na direção de dois caminhos: atuar para obter contratos de dragagens por período mais alongado, chegando até os cinco anos permitidos por lei e durante este prazo estudar formas para a concessão do sistema aquaviário do porto, seguindo modalidades similares ao que se adota por exemplo para as rodovias.
A constatação de que o modelo atual é inepto e que há urgência para uma nova modelagem é, portanto, uma grande vitória. Estamos saindo da mesmice, ao menos nas conclusões do Grupo de Trabalho, e esperamos que também saiamos das tradicionais letargias governamentais nas ações efetivas para se implantar a nova modelagem e garantir profundidades aquaviárias perenes no nosso maior porto e, assim, recuperar credibilidade internacional e competitividade no comércio exterior.