Na última semana, a cidade de Santos foi marcada pela tragédia da morte de Ryan, um menino de apenas 4 anos, atingido por uma bala perdida, provavelmente disparada pela polícia, enquanto brincava na frente da casa de uma prima no morro do São Bento. Ryan foi levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos. A mesma violência ceifou a vida de Gregory, de 17 anos, que também foi baleado e faleceu no mesmo contexto.
Em 2023, a morte de Thiago Menezes Flausino, um adolescente de 13 anos, por policiais na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, exemplifica a violência policial crescente no país. Um inquérito realizado pela própria polícia do Rio de Janeiro revelou que o jovem foi morto durante uma abordagem. O caso de Thiago se soma a uma alarmante estatística: 243 crianças e adolescentes mortos pela polícia no Brasil em 2023, de acordo com o relatório Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão, divulgado na última quinta-feira (7) pela Rede de Observatórios da Segurança.
Esse estudo, que reúne dados de institutos de pesquisa de diversos estados, apontou que 4.025 pessoas foram mortas pela polícia no ano passado em nove estados brasileiros — Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Desse total, 87,8% das vítimas eram negras, uma proporção muito superior à representatividade negra na população brasileira. Isso equivale a uma pessoa negra sendo morta pela polícia a cada quatro horas, apenas nesses estados.
No entanto, as mortes causadas por policiais nem sempre entram nas estatísticas de homicídios decorrentes de ação policial. As secretarias de segurança pública só reconhecem como mortes resultantes de ação policial os casos em que a polícia afirma ter agido em legítima defesa. Nos outros casos, as mortes são registradas como homicídios comuns, sem qualquer separação que permita uma análise clara da responsabilidade das forças policiais.
De acordo com Silva Ramos, porta-voz da Rede de Observatórios da Segurança, não podemos tratar essas mortes como casos isolados de abuso de um policial ou erro em uma abordagem. Ela afirma que a política de segurança pública no Brasil autoriza uma forma de atuação policial violenta que resulta em mortes, especialmente em áreas periféricas e empobrecidas. Essa violência, muitas vezes, é vista como “colateral”, uma espécie de efeito inevitável da ação policial, como se as vítimas fossem apenas números perdidos em um contexto de segurança falha.
Silva Ramos também destaca a falta de investigação sobre essas mortes. Quando se fala em “legítima defesa”, ela reconhece que, em algumas circunstâncias, pode até haver fundamento. No entanto, ela critica a ausência de uma investigação detalhada sobre cada caso, o que impede a sociedade de entender as circunstâncias reais das mortes. Para ela, a abordagem sistemática da polícia — que mata em grande escala, sem uma investigação aprofundada — reforça a sensação de impunidade e a perpetuação da violência
Enquanto isso, as tragédias se multiplicam, com crianças e jovens negros sendo as principais vítimas de um sistema de segurança pública que, ao invés de proteger, perpetua a violência. O que se exige, acima de tudo, é uma mudança de perspectiva: tratar essas mortes como o que realmente são — homicídios em nome de uma política de segurança falha.