
Se não morrer antes, o envelhecimento é uma dádiva inevitável para o ser humano. Mas com a experiência de vida e a sabedoria que o passar dos anos pode acrescentar, chegam também problemas inerentes à idade mais avançada, como perda de mobilidade, dificuldade de memória e atenção, declínio das capacidades funcionais e até doenças crônicas que ameaçam a vida de quem sempre foi independente e dono de si. E aí é que a porca torce o rabo: como convencer alguém que sempre cuidou de tudo e de todos que agora quem precisa reduzir o ritmo e ser cuidado é ele?
A frustração diante das limitações e deficiências que a idade vai impondo pode abalar o emocional: afinal, a perda de autonomia acaba gerando sentimentos de inutilidade em quem sempre foi ativo e, por isso mesmo, requisitado. Por outro lado, há famílias que passam a tratar o idoso como peso morto quando ele deixa de ter utilidade na vida prática. Soma-se a isso o fato de vivermos em uma sociedade que supervaloriza a juventude e despreza a velhice, usando até termos pejorativos ao se referir a pessoas que alcançaram o privilégio de chegar a essa etapa da vida.
Em seu livro “Perdas e Ganhos”, lançado em 2003, a escritora Lya Luft diz que, se fosse possível dar conselhos para se relacionar com o envelhecer, seria: ter um mínimo de bom senso; rever os próprios conceitos e, principalmente, seus preconceitos; e ter bom humor, muito bom humor. Ria de si mesmo com a certeza de que tudo passa. Pelo menos esta certeza o tempo dá.
A obra ressalta também a importância de se cultivar afetos todos os dias, não se deixando endurecer pelas mágoas ou decepções. Ah, e aprenda a valorizar a passagem do tempo, dedicando menos tempo aos afazeres e mais ao propósito de ser mais humano.
Cuidar do corpo e da mente
Hipócrates dizia: “Todas as partes do corpo que têm funções, se usadas com moderação e exercitadas em trabalho aos quais elas estão acostumadas, se tornam bem desenvolvidas e envelhecem lentamente; mas se não usadas, mas sim deixadas de lado, elas se tornam propensas a doenças, apresentam defeitos e envelhecem rapidamente”.
Portanto, desde que tenha liberação médica, não pense duas vezes em iniciar uma atividade física, não recuse convites para caminhadas, lazer, jogos e danças. Os exercícios físicos, frequentes e rotineiros, contribuem para o fortalecimento muscular e melhoram a flexibilidade. Além disso, aperfeiçoam o sistema responsável pelo equilíbrio e, consequentemente, previnem as quedas frequentes no idoso. Manter a atividade de leitura e raciocínio também já foi comprovado como ótimo exercício para a saúde mental.
Mas, lembre-se: tudo com moderação. “Sabemos que o uso excessivo também leva a um desgaste do órgão, que poderá adoecer rapidamente. Portanto, moderação é uma atitude prudente para quem quer envelhecer e manter uma qualidade de vida. De tudo um pouco, um pouco sempre, seja na alimentação, no exercício, no convívio social etc.”, orienta a médica.
Ela lembra que o envelhecimento provoca naturalmente uma diminuição da audição e da massa óssea, alteração da visão, declínio do funcionamento renal, desgaste articular, lentidão da capacidade de aquisição, processamento e recuperação de informações. “Com o desenvolvimento da medicina geriátrica, muitas doenças crônicas tiveram um prognóstico melhor e a adoção de hábitos saudáveis posterga o surgimento de várias complicações”.
Adaptação da casa
Uma das primeiras providências é adaptar a casa à nova realidade, de modo a evitar acidentes domésticos, avisa Karen Henke. Entre as modificações recomendadas estão: evitar uso de tapetes soltos, retirar móveis que dificultem o fluxo livre do caminhar dento do domicílio, uso de barras de apoio dentro do banheiro, altura mais elevada do assento do vaso sanitário, iluminação adequada na casa, uso de pisos antiderrapantes, calçados confortáveis e ortopédicos, dispositivos de alerta para tomada de medicação no horário, uso de bengalas para dar mais segurança ao caminhar na rua e manter uma rotina de alimentação e exercícios físicos.
Aprendendo a ajudar
Quando um idoso passa a necessitar de cuidados e monitoramento diário, a relação familiar costuma se complicar, e muito. Quem assume (geralmente sozinho) a missão de cuidar, sofre um grande impacto na vida. “Para o cuidador, de repente uma grande responsabilidade lhe cai sobre as costas, com consequências na sua vida pessoal. São múltiplas perdas a serem enfrentadas, exigindo constantes e frequentes novas adaptações. Além da sobrecarga, há o peso emocional de acompanhar de perto a evolução da doença que traz sofrimento e incapacidade a um ente querido”, diz a cirurgiã-dentista Gisele Prata Real, responsável pela organização do Ciclo de Palestras para Atualização de Cuidadores da SMS, que terá a terceira edição iniciada ainda este mês.
O ciclo de palestras foi pensado para transmitir o conhecimento técnico do cuidado em si e oferecer apoio emocional ao cuidador. “Trabalhamos sempre com foco na prevenção e promoção da saúde. São 33 palestras, ministradas por diferentes profissionais, que abordam desde prevenção de quedas e de doenças bucais à importância do estímulo constante do paciente e sua socialização, cuidados com o uso e manuseio de medicamentos, sexualidade na terceira idade, primeiros socorros, o Estatuto do Idoso, entre outros”, explica Gisele.
O programa da Prefeitura aborda ainda outro aspecto muito importante, que é a espiritualidade na terceira idade. “É comum nesta etapa a pessoa fazer balanços da vida, suas escolhas, erros e acertos, o que, algumas vezes, pode trazer sentimentos ruins, de culpa ou fracasso, por exemplo, favorecendo a depressão. Além disso, a morte de pessoas próximas escancara a proximidade cada vez maior da própria morte. A espiritualidade é o que nos dá o ponto de equilíbrio, o apoio”, informa Giselle.
Ciclo de Palestras – A 3ª edição do Ciclo de Palestras para Atualização de Cuidadores acontece nos dias 23 e 26 deste mês; 1º, 4, 8, 11, 15, 18 e 22 de março, das 13h30 às 18h, na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, na Ponta da Praia. Os interessados devem enviar e-mail para [email protected]. Informações: 3201-5636.
Melhor idade, terceira idade e outros eufemismos
Terceira idade, melhor idade, feliz idade… de uns tempos para cá, surgiram vários eufemismos na tentativa de suavizar o envelhecimento. Por trás de um idoso, aparentemente frágil, existe uma história de vida, um passado ativo, uma existência repleta de desafios vencidos. Por isso, o envelhecimento traz consigo o conhecimento e a experiência. É um período de colheita, mas para que ele se torne produtivo é importante ter uma boa qualidade de vida, mantendo atividades físicas e intelectuais que ajudam a combater a degeneração natural do corpo.
De acordo com a médica Karen Kiss Henke, que integra a equipe multidisciplinar do curso de cuidador de idosos realizado pela Secretaria de Saúde de Santos, o que determina o grau de autonomia e independência do idoso é sua capacidade de autogerir suas necessidades de vida diária, seu autocuidado e sua relação com a comunidade. “Atividades como comer, se vestir, ir ao banco, cozinhar, cuidar da casa, uso de medicações, higiene, fazer compras, controle da bexiga/intestino, equilíbrio, dirigir, mobilidade na cama, caminhar com ou sem auxilio, capacidade de usar telefone, memória, audição, atenção e solução de problemas. Esses são alguns aspectos importantes a serem observados por familiares e pela equipe de saúde como indicativos do grau de autonomia do idoso”, avalia.
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