Os poucos, mas sólidos, anos de carreira não o intimidaram a encarar uma tarefa ambiciosa: levar ao palco, mais de doze anos após a última montagem em São Paulo, um clássico da dramaturgia mundial, tendo no elenco atores consagrados como Maria Luiza Mendonça e Eduardo Moscovis. O santista Rafael Gomes assina a direção de “Um bonde chamado desejo”, um texto de Tennessee Willians cuja adaptação para o cinema tem nada menos que Marlon Brando e Vivian Leigh nos papéis principais.
Na trama, a sonhadora e atormentada Blanche DuBois (Maria Luiza Mendonça) muda-se para a casa da irmã, onde entra em conflito com a brutalidade do cunhado, Stanley (Eduardo Moscovis).
Gomes tem apenas 32 anos mas já tem uma (bela) história para contar. Formado em Cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), criou, roteirizou e dirigiu diversos curtas metragens, como o já cult “Tapa na Pantera”, que viralizou na internet antes mesmo deste termo começar a ser usado para designar algum conteúdo que se espalha pela rede mundial de computadores.
O trabalho de Rafael Gomes chama a atenção pela quantidade com qualidade. Participou de produções como a série infanto-juvenil “Tudo que é sólido pode derreter”, feita para a TV Cultura; a minissérie “Família imperial”, para o Canal Futura; e “Loucos por elas”, para a TV lobo, entre diversos outros trabalhos.
O grande prêmio, até agora, é o conferido pela da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) com o espetáculo “Música para cortar os pulsos”, considerado a Melhor Peça Jovem de 2010.
Nesta entrevista, ele fala sobre o espetáculo “Um bonde chamado desejo”, que fica em cartaz até 27 de março, no Teatro Tucarena, em São Paulo, a relação com o elenco e os próximos projetos.
Entrevista a Marco Santana.
Jornal da Orla- Por que logo “Um bonde chamado desejo?”, entre tantos outros textos emblemáticos do teatro mundial?
Rafael Gomes- Para mim, essa pergunta é um pouco como “por que você se apaixonou por tal pessoa e não por todas as outras que existem?”. E a resposta é: uma escolha sempre tem sua dose de fatores racionais – é um grande texto, um dos mais emblemáticos do teatro do século XX; há ali personagens de estatura mítica; o realismo lírico de Tennessee Williams faz bem aos nossos tempos tão combalidos de recrudescimento – e sempre tem sua dose de fatores bio-químicos-espirituais, uma combustão espontânea que se dá no sentimento da paixão. Logo, eu senti atração por este texto desde que o conheci. Então, digamos que esta seja a realização de um longo amor platônico.
Qual a principal dificuldade nesta montagem?
Rafael Gomes- Injetar nova vida e novo sangue em um corpo que, a princípio, muita gente já conhece e que já ficou muito marcado por seus habitantes anteriores – e, inclusive, imortalizado no cinema.
A adaptação para o cinema tem nada menos que Marlon Brando. O que você fez para escapar da arapuca da comparação, já que são linguagens diferentes? Ou, ao contrário, buscou este diálogo?
Rafael Gomes- Talvez parte da resposta esteja na pergunta: são linguagens diferentes, e isso, em si, já me parece um diferencial enorme. São momentos diferentes, também. O que Brando fez, ele já fez. Isso está no imaginário das pessoas, não tem como escapar. Ao mesmo tempo, também não tentei nenhuma aproximação consciente. Acredito que o exercício tenha sido deixar de lado, com todo respeito possível, o filme de Elia Kazan, para buscar o que ressoava para nós.
Você é considerado um diretor “jovem” no próprio meio artístico. Como é ter sob sua batuta atores tarimbados como Maria Luiza Mendonça e Eduardo Moscovis?
Rafael Gomes- É uma enorme responsabilidade. É o equilíbrio de uma pressão interna tremenda, no sentido de querer ter as respostas certas. É um fabuloso exercício de observação e aprendizagem. E é, acima de tudo, um convite a estabelecer com eles uma relação a mais horizontal possível – não me interessa olhá-los como “estrelas”, nem me interessa ser visto como “chefe”. Grande parte do que deu certo, em nosso processo, é o respeito mútuo e o enorme afeto adquirido e progressivamente consolidado.
Os moradores de Santos se orgulham de serem bairristas, gostam de citar alguém da cidade que conseguiu destaque nacional e até internacional. De alguma maneira, o tempo que viveu em Santos lhe influenciou nesta sua trajetória artística? E, mais especificamente, nesta peça?
Rafael Gomes- Eu nasci em Santos, mas morei, de fato, na cidade dos 8 aos 18 anos. E essa me parece uma idade crucial na formação de toda e qualquer referência fundadora, de uma psicologia sentimental, de uma personalidade ativa, até. E, se nós somos o acúmulo de nossas experiências, é claro que tudo o que eu vivi na cidade está de alguma forma ressoando no que eu sou e faço hoje em dia. No entanto, eu não vejo as coisas como um quebra-cabeça tão linear – ou seja, salvo em casos específicos, não há uma peça exata que se encaixe em uma lacuna exata. Digo isso porque não enxergo uma influência específica e detalhada, mas sim um grande todo.
Você considera a “Música para cortar os pulsos” o “turning point” de sua carreira?
Rafael Gomes- Sem dúvida alguma! Foi minha estreia no teatro, minha primeira experiência como dramaturgo e encenador e, muito do que aconteceu depois, em várias áreas em que eu atuo, aconteceu ou por causa dessa peça, ou de alguma forma como consequência dela.
A peça fica em carta até 27 de março. O que você vai aprontar depois (ou já está aprontando)?
Rafael Gomes- Devido ao sucesso de público que estamos experimentando, são grandes as chances de a temporada ser prorrogada até junho. Eu agora em março estou me mudando temporariamente para o Rio de Janeiro, para realizar por lá um novo trabalho de teatro: dirigir uma adaptação do musical “Gota D’Água”, de Chico Buarque e Paulo Pontes, com Laila Garin e Pierre Baitelli no elenco.
Serviço:
“Um bonde chamado desejo”
Teatro Tucarena- Rua Monte Alegre, 1024 – Perdizes
Informações- (11) 3670.8455 / 8454
Vendas- 4003-1212 e www.ingressorapido.com.br