A Bossa Nova perdeu nesta semana um de seus maiores patrimônios: Luiz Carlos Miele, artista muito querido, musical, versátil, alegre e talentoso. Um legítimo e completo “showman”.
Sem dúvida, foi um dos maiores produtores musicais deste país, grande apresentador, além de um incrível contador de histórias. Além de ator, apresentador de TV, dançarino, diretor, cantor e compositor entre outras atividades.
Apesar de ter nascido em São Paulo, tinha no coração a alma carioca. E ele sempre brincava dizendo que era carioca durante o dia e paulista durante a noite.
Talvez por isso gravou em 2011 pelo selo Discobertas o seu primeiro CD solo como cantor, “Bem-vindo ao Rio – As Novas Músicas do Rio”, ao lado do trio do pianista Alberto Chimelli. As composições do CD são de Pacífico Mascarenhas.
É no mínimo curioso ouvi-lo cantando com a levada da Bossa Nova e não deixe de ouvir os temas “Bem-vindo ao Rio”, “Copa em Copacabana”, “Meu Amor na Barra”, a sua composição “Noites no Rio” e as versões surpreendentes de “Bluesette à Brasiliénne” e “Let`s Face The Music and Dance”.
Com mais de cinquenta anos de carreira, Miele voltou à cena recentemente com força total. Ele foi um dos destaques da produção “O Mágico de Oz”, que teve extensa temporada, onde interpreta com absoluta competência o Mágico.
Inclusive, ganhou uma canção para poder cantar no musical, uma condição para que ele participasse do projeto. Na versão original, o personagem não canta. Quanto prestígio do nosso saudoso e simpático “showman”, que sempre tinha uma história interessante para contar.
Sua história de vida está ligada à Bossa Nova e sempre esteve presente nos maiores acontecimentos do gênero, inclusive como produtor ao lado de Ronaldo Bôscoli. Uma dupla que fez muito sucesso e barulho nas décadas de 50 e 60, produzindo shows e espetáculos memoráveis. Elis Regina, Roberto Menescal, Wilson Simonal, Sergio Mendes, Leny Andrade e Pery Ribeiro são alguns nomes que ele produziu. Lembro-me com carinho da sua última passagem por Santos, anos atrás, numa produção no Teatro do Sesc, onde ele foi o grande mestre de cerimônias de um time formado por Roberto Menescal, João Donato, Rosa Passos, Miúcha, Claudya, Filó Machado entre tantos outros nomes importantes.
Uma verdadeira festa da Bossa Nova, que tive a honra de acompanhar dos bastidores. Muito ativo e realizador ele ainda estava cheio de planos. Planejava viajar pelo Brasil com seu novo show “Miele – Contador de Histórias”, que também dava nome ao seu mais recente livro de memórias. E ao lado de seu grande amigo e parceiro Roberto Menescal, havia gravado um piloto de um programa de TV, em que lembravam histórias interessantes para contar.
Miele era sempre diversão garantida. Ele tinha o corpo e a alma da Bossa Nova. Até breve, querido e fulminante Miele. A sua bossa fica para sempre.
Chega de Saudade – “The Best Of Bossa Nova”
A leitura do livro “Chega de Saudade” (1990 – Companhia das Letras) é obrigatória para aqueles que querem conhecer as histórias verdadeiras da Bossa Nova, contadas por aqueles que verdadeiramente a viveram.
E não apenas pelos seus protagonistas principais, os músicos. A ideia genial do livro e deste CD (EMI – 1993) é de autoria de Ruy Castro, uma das maiores autoridades sobre o tema. Então, como ele mesmo diz “leia o livro, escute a música”.
Recomendo também a leitura dos seus outros livros musicais “Saudades do Século XX” (1994), “Ela É Carioca” (1999), “A Onda Que Se Ergueu No Mar” (2001), “Rio Bossa Nova” (2006) e “Tempestade De Ritmos” (2007).
O ponto de partida do CD é a antológica gravação de “Chega de Saudade”, de João Gilberto, datada de 10 de julho de 1958, e que é considerada como marco inicial da Bossa Nova.
Depois dela, tudo aconteceu e acontece até os dias de hoje. E mais “Samba de Verão” com Marcos Valle, a primeira gravação de “Garota de Ipanema” com Pery Ribeiro, “Influência do Jazz” com Carlos Lyra, “Menina Feia” com Roberto Menescal, “Você” com Milton Banana Trio, “Estamos Aí” com Leny Andrade, “A Rã” com João Donato e também “A Noite Do Meu Bem” com Lúcio Alves, a quem Ruy Castro dedicou este disco.
E podemos encontrar outros grandes nomes como Sylvia Telles, Dick Farney & Claudete Soares, Doris Monteiro, Roberto Paiva, Norma Bengell e Bossa Três.
E como Ruy Castro diz no encarte do disco, “Como a Bossa Nova conseguiu esta façanha? Pela qualidade de sua música – e há 22 provas disto neste CD – e dos artistas que a eternizaram”.
Um CD histórico e obrigatório para aqueles que amam a Bossa Nova.
A Onda Que Se Ergueu No Mar – “Novos Mergulhos na Bossa Nova”
Em 2001, Ruy Castro lançou o livro que leva o mesmo nome (pela Editora Companhia das Letras) e no ano seguinte, assim como fez anteriormente, lançou a versão musicada do livro num CD duplo com vinte e oito faixas. Reuniu temas gravados nas décadas de 50 e 60 e outros gravados recentemente.
O tema do livro tem novamente a Bossa Nova como grande protagonista. Nas suas páginas encontramos uma rica reconstrução de épocas e diversos ambientes, inclusive com a reprodução de diversas conversas dos seus principais protagonistas. E, nas suas últimas páginas, o autor termina com duas reportagens sobre João Gilberto, o grande arquiteto, ao lado de Tom Jobim, daquilo que conhecemos como Bossa Nova.
Nos discos podemos constatar que a Bossa Nova está mais viva e atualizada do que nunca. É atemporal, não é do passado, nem do presente. É para sempre.
E a seleção do disco foi mesclada pelos nomes tradicionais com os novos nomes do gênero.
A seleção de temas do disco um abre com “Wave” com “Os Cariocas” e depois destaco “Two Kites” com Mario Adnet, “Eu Gosto Mais Do Rio” com Nara Leão, “Tem Dó” com Rio 65 Trio, a belíssima “Tristeza De Nós Dois” com Emílio Santiago, “E Nada Mais” com Os Gatos, “Ela É Carioca” com Quarteto Jobim-Morelenbaum e “Danielle” com o incrível Tamba Trio entre outros.
Já o disco dois abre com “Captain Bacardi” com Antonio Carlos Jobim, e depois destaco “Lindúria” com Ed Motta, “Aquarela Do Brasil” com Ithamara Koorax e Eumir Deodato, “Coisa no. 8” com Moacir Santos, “Leduscha Com Diamantes” com Celso Fonseca e Ronaldo Bastos e muito mais.
Uma ideia genial e que deveria ser seguida pelas Editoras e pelos autores de livros que falem sobre música. Só ficou faltando o filme. Quem sabe, um dia.