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Bossa Nova e o novo tango

17/08/2015
Bossa Nova e o novo tango | Jornal da Orla
O título completo do livro escrito pelo advogado (de profissão) e músico e compositor (por vocação) argentino Enrique Strega, destaca também: “Uma História de Vinícius a Piazzolla”.
 
Lançado em português pela Editora Argentina Corregidor, com 221 páginas, o livro curiosamente tem pequenas falhas na tradução, interessantes e até engraçadas sob certo aspecto, mas que não tiram a beleza e a complexidade do estudo sério e determinado feito pelo autor, um apaixonado pelas músicas da Argentina e do Brasil. A ideia para escrever o livro, unindo os dois países e os dois gêneros, surgiu quando Strega leu a biografia do músico argentino Astor Piazzolla, escrita por María Suzana Azzi e Simon Collier e numa frase pôde notar a admiração e a paixão do genial bandoneonista pela música brasileira e pelo Brasil, onde ele encontrou respeito e reconhecimento pela música de vanguarda que sempre executou.
 
E, curiosamente, ele teve mais destaque aqui no Brasil do que na própria Argentina. Sua música de vanguarda rompeu diversos paradigmas e como nossos “hermanos” são muito conservadores e tradicionalistas, sua música que literalmente transformou o Tango tradicional, ganhou naturalmente mais espaço em outros territórios.
 
Naquela leitura Enrique Strega marcou o ponto de partida da sua jornada e teve ali a inspiração para que pudesse mergulhar fundo na sua pesquisa para traçar um paralelo entre as duas culturas e as suas musicalidades, curiosamente interligadas.
 
Ele constatou muitas coincidências entre a Bossa Nova e o Novo Tango, como as críticas que surgiram quando do surgimento de ambos os movimentos, seus vínculos inegáveis com o Jazz, a postura política e a condição social dos seus criadores e a prova desse vínculo está marcada na forte e intensa amizade que uniu o nosso querido poetinha Vinícius de Moraes e Astor Piazzolla e é flagrante que esta admiração mútua foi transmitida para seus seguidores através dos anos.
 
Na primeira parte do livro, ele descreve “Os Movimentos”, detalhando os cenários históricos de Brasil e Argentina, “Que isso é Bossa Nova, que é muito natural”, a renovação na música popular argentina, as semelhanças e diferenças entre a Bossa Nova e o Novo Tango, a influência do Jazz e também a política e a arte.
 
Na segunda parte, ele destaca “Os Encontros”, citando a nova musa da Bossa Nova (Maysa Matarrazzo), que em 1961 levou para Buenos Aires Roberto Menescal, Bebeto Castilho, Hélcio Milito e Luiz Carlos Vinhas, que logo depois disso criaram o incrível Tamba Trio. Na oportunidade, eles foram apresentados como “os jovens de Copacabana” e pode ser considerada como a primeira saída internacional dos protagonistas da Bossa Nova. Depois tivemos a presença de João Gilberto em Buenos Aires em sua primeira visita no ano de 1962, meses antes da memorável apresentação do movimento no Carnegie Hall de Nova York.
 
No capítulo “Novo Tango no Brasil”, o autor descreveu que o Brasil, sua gente, sua música, provocaram uma fascinação particular nos músicos argentinos, e Astor Piazzolla viveu esse encanto com paixão e desfrutou de momentos inesquecíveis.
 
Por todo esse conteúdo, recomendo a leitura do livro que está recheado de grandes histórias descritas por quem realmente as viveu e que fortalecem ainda mais a importância dos movimentos da Bossa Nova e do Novo Tango.
 
 
Os Desafinados  – “Trilha Sonora Original”

 
 
O filme de Walter Lima Jr., lançado em 2008, conta a trajetória de vida de quatro amigos músicos, Rodrigo Santoro, Jair Oliveira, Ângelo Paes Leme e André Moraes e mais um amigo, Selton Mello, um aspirante de cineasta, que tinham o sonho de ganhar o mundo, mais precisamente a América, e tocar no mítico Carnegie Hall de Nova York.
 
Trata-se de uma obra de ficção ambientada no início dos anos sessenta, bem no início da Bossa Nova e, vendo o filme, podemos notar algumas homenagens feitas a alguns dos maiores nomes do gênero.
 
Um filme feito nitidamente com o coração e que retratou com fidelidade uma época histórica do nosso país, tanto no cenário musical, social, político e econômico.
 
O que mais chama a atenção no filme é a belíssima trilha sonora, lançada pelo selo Dubas e que contou com composições, arranjos e direção musical do genial do pianista Wagner Tiso.
 
Muito inspirado, ele participou ativamente da trilha, colocando toda a sua sensibilidade musical e muito romantismo à disposição da história e das imagens do filme. Uma verdadeira declaração de amor à Bossa Nova.
 
Destaco os temas “Quero Você” em duas versões com “Os Desafinados” e na bela voz de Branca Lima, “Miranda” com a surpreendente interpretação do ator Rodrigo Santoro, “Jazz New York”, “A Estátua da Liberdade”, a inusitada versão de “Take The A Train/Só Danço Samba”, o clássico “Carinhoso”, todas estas com Wagner Tiso, “Meditação” e “Caminhos Cruzados” com Branca Lima e para encerrar “Desafinado” com Os Desafinados.
 
Um time de músicos da pesada fez parte da “cozinha”, extremamente afinada e integrada.  Trilha sonora de primeira.
 
 
Victor Biglione – “Tangos Tropicais”
 
 
O CD lançado em 2010, selo Biscoito Fino, pelo talentoso guitarrista argentino (carioca de coração desde os seis anos de idade) Victor Biglione, é um dos discos mais surpreendentes que ouvi nos últimos tempos.
 
Tangos Tropicais nasceu de uma ideia genial e criativa do crítico e produtor musical Nelson Motta, que recomendou que Victor gravasse temas consagrados da nossa MPB na levada passional e romântica do Tango.
 
E não é que esta mistura ficou perfeita e bem encorpada.
 
O repertório foi escolhido a dedo pelos dois e Victor soube usar com maestria a mistura de suas influências familiares do Tango tradicional, admirado pelo seu pai, e Piazzolla pela sua mãe, e que sempre estiveram impregnados em seu DNA musical.
 
Outro ponto importante que diferencia o trabalho são as incríveis participações do baterista e percussionista Cláudio Infante que trouxe uma sonoridade exótica aos temas, pulsando todo o seu grande talento e dos também criativos José Lourenço no piano e Marcos Nimrichter no acordeom, simplesmente perfeitos.
 
“Trocando em Miúdos”, “Tatuagem”, “Esse Cara”, “Ângela”, “Mistérios”, “Dois Pra Lá Dois Pra Cá” e “Se Eu Quiser Falar Com Deus” foram reinventadas e reconstruídas com muita qualidade.
 
Deixe-se surpreender por este trabalho que coloca o Brasil (Bossa) e a Argentina (Tango) musical e magicamente interligados para sempre.