Sala de Ideias

1º de abril: Dia da Mentira, mas trago verdades 

01/04/2022
1º de abril: Dia da Mentira, mas trago verdades  | Jornal da Orla

Leandro Roque

Neurociência ajuda a explica porque as pessoas mentem e quais são os tipos de mentirosos 

“Você está linda!” Pelas costas: “Ai, que feia”.

“Você é fantástico”, mas o que penso é “Meu Deus, que chato”!

“Em cinco minutinhos, eu tô chegando!”, mas na verdade: “Nem saí de casa”.

Estes são alguns exemplos do que as pessoas dizem, mas não é bem por ai. Todo mundo sabe que 1º de abril é uma data emblemática, é o Dia da Mentira. Aqui no país, a data começou a ganhar corpo em Minas Gerais. Em 1828, um periódico lançou a noticia do falecimento de Dom Pedro e no dia seguinte, é claro, teve que desmentir. A partir daí, a data se popularizou.

Mas porque as pessoas mentem, não só nesta data, mas com freqüência?

Mentir envolve três grandes pilares:

– Primeiro para você construir uma mentira precisa ter uma grande capacidade de abstração na sua linguagem, porque você precisa convencer alguém com cenários. Então, o mentiroso constrói uma história que não existe e isso exige uma capacidade de abstração do cérebro enorme, gigante, porque você tem que inventar algo que não é real. Essa capacidade é que marca a transição da primeira infância, pra uma fase mais secundária. É que crianças até cinco anos, são incapazes de mentir, porque a área do cérebro responsável pela abstração por inventar algo que não existe, fugir do mundo concreto, ainda não está totalmente formada;

– Segundo grande pilar da mentira é você tentar deduzir o que o outro está pensando. Na neurociência, chamamos de teoria da mente. É imputar o estado mental de outra pessoa, adivinhar o que o outro está pensando pra ver se a minha mentira está convencendo, se ela é uma mentira convincente. Mas também, é necessário entender quais detalhes são colocados na minha mentira pra tornar ela crível, pra tornar ela o mais próximo de uma realidade que a pessoa consiga aceitar. Isso é chamado de flexibilidade do pensamento dentro das funções executivas;

– Terceiro grande pilar da mentira é buscar empatia. O mentiroso ele é empático, sedutor. O mentiroso tem que ser convincente. E a busca dessa empatia vai na direção das habilidades socioemocionais, porque é preciso ter assertividade e sustentar essa palavra. Além disso, é preciso ter autocontrole, autoconfiança e sensibilidade em relação a outra pessoa. É necessário também entender quais são os pontos fracos, os pontos fortes e tentar explorar isso na mentira, e claro, ser original, inventar alguma coisa na hora. A organização também é muito importante. Tem que organizar a história pra ela não ficar sem sentido, sem pé nem cabeça e aí rapidamente eu sou descoberto nessa mentira, né?

Mentir exige muitas habilidades. Exige muitas funções do nosso cérebro. Desde as funções executivas até as socioemocionais. Mentira é um árduo trabalho cerebral.  Dá muito trabalho pro cérebro criar uma mentira. E é por isso que ela é tão interessante.

E o que será que se passa na cabeça do mentiroso?

Para mentir, a parte do nosso cérebro que é principalmente ligado ao lobo frontal é acionada, mas na verdade todo mundo mente, mesmo que sejam pequenas mentiras. E quem diz que nunca mente já tá contando a primeira mentira!

A mentira é uma moeda social. Ninguém é sincero e verdadeiro o tempo todo. E pessoas até costumam dizer que isso é um sincericídio né? Você ser sincero o tempo todo. Falar a verdade o tempo todo, é fatalmente você magoando alguém.

A mentira é necessária pra se construir determinados vínculos sociais, são as mentiras brancas. Como eu falei no início do texto, elogiar sem querer dizer o que se diz, falar ah, não, eu vou atrasar dez minutos por causa do trânsito. E não dizer, que você realmente se atrasou. Outro exemplo de mentira social, alguém pergunta: “o meu cabelo tá bonito?”, não da pra dizer: “Ta horrível, se fosse você, processava o cabeleireiro!” Para ser polido, você vai falar: “Tá linda, muito legal”, isso é dar uma disfarçada e não deixa de ser uma mentira.

Agora… que mentira faz mal?

Depois de entender que a mentira patológica, a mitomania que é o mentir patológico, um desvio de comportamento porque a pessoa mente compulsivamente sem controle que às vezes, as mentiras são tão constantes e grandiosas, é complicado. O mitomato mente o tempo todo sobre tudo e o mentir pode ser dividido em três grandes categorias:

. Mentira unidirecional: é mentir para os outros, o que eu sou para os outros, sou eu tentando enganar alguém, passa o limite da inocência;

– Mentira manipuladora: é mentir para pessoas criando situações dentro de um grupo, manipulo pessoas em meu objetivo. Essa mentira mexe com as pessoas, ataca pontos fracos, desestabiliza locais de trabalho, desestabiliza relações sociais e caminha para uma patologia. Sociopatas, psicopatas, são muito perigosos, são bons mentirosos, manipulam pessoas e existe até um tipo clássico de psicopatia, que é a psicopatia empresarial, que é feita por uma situação de trabalho onde a pessoa manipula mesmo, cria situações em seu benefício pra uma promoção, ganho financeiro, seja o que for;

– Mentira vertical: Sou eu mentindo pra mim mesmo. Quando o mentiroso, mente pra si, quando ele acredita na mentira, ele acha que é realidade mesmo, acredita no que está falando e se distancia da realidade. Mesmo diante do confronto das suas ideias, ele sustenta aquela mentira dizendo que ela é a mais absoluta verdade. Estas pessoas precisam de ajuda, de acompanhamento pra voltar a realidade e entender o porquê que ela tá mentindo, quais são as intenções e o porquê que essa mentira passou a ser destrutiva.

Última dica de hoje: não tenha medo da mentira, a mentira faz parte das nossas relações sociais, cuidado com os mentirosos profissionais, mentirosos de plantão, mentirosos que usam da mentira pra manipular. E neste dia primeiro de abril, curta uma mentirinha, né? Uma mentirinha branca, aquela que a gente usa pra dar susto nas pessoas, que na verdade nem é uma mentira, né? É uma pegadinha.

Ah, e agora preciso ir pra não perder meu voo para as Ilhas Maldivas num resort all-inclusive… (bem que eu gostaria, mas é uma mentirinha do bem pra descontrair!)

 

Leandro Roque é neurocientista, diretor do Super Cérebro.