O termo Páscoa deriva da palavra hebraica “pesah”, que significa “passar sobre”. A data é a mais importante do calendário cristão por celebrar a ressurreição de Cristo, o que representa o renascimento, a renovação e uma prática fácil de falar, mas difícil de praticar: o perdão. Mas como alcançar esta atitude de passar por cima de coisas que atrapalham o caminho, impedem o avanço e incomodam as relações?
Todos nós já magoamos e fomos magoados em algum momento da vida. “Perdoar genuinamente é uma das coisas mais difíceis que um ser humano pode fazer”, reconhece a psicóloga Silvia Maria de Carvalho. Pra não ser “da boca pra fora”, é necessário amadurecimento – ela diz. “Perdoar não é uma ação de uma vez. É um processo. Requer gentileza e paciência para digerir a questão. Antes de tudo, estamos lidando com sentimentos”.
Raiva, mágoa, ressentimentos
Sentir raiva é normal e esperado em determinadas situações. O problema é quando a pessoa decide preservar a raiva, regá-la e fazê-la crescer. Aí, o tempo que ela perdurar é problema seu, e não mais do outro. Quem não perdoa, quem fica remoendo o passado, sentindo ódio e hostilidade, é um prisioneiro dentro de si mesmo.
“Não pense que você está fazendo algo maravilhoso pelo outro ao perdoá-lo. Se o perdão é importante para o outro, é ainda mais importante para você. Quando perdoa, você se liberta”, enfatiza o pesquisador do comportamento humano, Carlos Hilsdorf. Segundo ele, a raiva e a mágoa são profundamente destrutivas para todos os que lhes dão morada interior. “Se alguém errou com você, ainda que gravemente, não perca tempo e saúde do corpo e da alma alimentando a raiva e a mágoa, elas lhe mantêm aprisionado ao passado”.
Mas – adverte – somente o perdão autêntico é libertador. “Quando alguém estufa o peito e diz que sofreu uma ofensa, mas perdoou, está na verdade fazendo sua autopromoção, querendo provar a si mesmo e aos outros como ele é especial por ter perdoado. Este falso perdão cria uma energia represada, conduz a doenças da alma e do corpo e é a maior causa do sofrimento espontâneo, aquele que nós mesmos buscamos”.
Virando a página
O perdão não consiste em descaracterizar o mal imputado. Significa virar a página. “Não há perdão sincero sem o esquecimento da raiva e da mágoa que lhe deram origem, mas esquecer a mágoa e a raiva não significa esquecer o fato. Os fatos, muitas vezes, permanecem na memória e são motivos de aprendizado”, afirma Hilsdorf.
De acordo com ele, o que devemos deixar de sentir é a emoção negativa que toma a forma de raiva, mágoa, ou seja, se perdoamos verdadeiramente, conseguimos lidar com os fatos como algo distante, algo que não nos atinge mais. “Para perdoar precisamos compreender a nós mesmos e aos outros. Se não nos dedicamos a compreender o outro, estamos esquecendo que se estivéssemos em seu lugar talvez fizéssemos coisa igual ou pior. E, mesmo que não cometêssemos o mesmo erro, isso se deveria apenas ao fato de já termos aprendido uma lição que ele ainda não aprendeu. Se não sentimos pelo outro a mesma compreensão que sentimos em nossa própria defesa, então, nosso perdão não existe, ele é pura vaidade”, ensina.
Auto-perdão
Tão importante quanto perdoar é praticar o auto-perdão, atitude bastante difícil em pessoas extremamente exigentes consigo mesmas ou com baixa autoestima. “Procure ser menos crítico consigo mesmo, em poucos dias sentirá uma enorme diferença”, recomenda a psicóloga Rosemeire Zago. “Deixe sair de dentro de você mágoas antigas, que quanto mais você as reprimir mais intensas se tornam”.
Mas enquanto não curar o que precisa ser curado, a pessoa poderá repetir alguns padrões de comportamentos. E se estiver em algum padrão destrutivo de comportamento, procure identificar qual é. “Pode ser em seu relacionamento afetivo, nas suas relações com seus familiares ou com seus filhos, ou algo relacionado com seu trabalho, ou ainda consigo mesmo. Mas seja honesto, não tenha medo de identificar o que tanto o machuca, pois só assim conseguirá se libertar das amarras que o prendem ao passado”.
Perdoe e siga adiante
Para a psicoterapeuta Thaís Petroff, compreender, ter compaixão e perdoar nada tem a ver com “dar a outra face”. “Podemos ter o intento de julgar menos, compreender e acolher mais, mas isso não faz de nós seres coniventes e nem disponíveis para os maus tratos do outro. Cabe a cada um de nós escolher nos preservar, optando, por exemplo, por diminuir ou cortar contato com a pessoa que age de uma maneira que machuca”, enfatiza.
Ela lembra que cada um tem livre-arbítrio para manter seu comportamento e a outra pessoa pode entender e aceitar isso, mas também tem o livre-arbítrio de optar por não mais se expor a esse contexto. “Compreensão e respeito para com o outro se tornam tão ou mais possíveis quando praticamos isso conosco”, pondera Thaís.