Santos

Sobrevivemos!

20/03/2015
Sobrevivemos! | Jornal da Orla
Quase 70 anos depois, dois sobreviventes da bomba atômica despejada sobre Hiroshima surgem para dar seus testemunhos dos horrores vividos a uma plateia de adolescentes, que até então tinham conhecimento do conflito mundial que matou milhões de pessoas somente através dos livros de história e filmes de guerra. O encontro inusitado ocorreu quinta-feira (19) entre alunos do Colégio Objetivo e dois senhores japoneses, Takashi Morita, 91 anos, e Kunihiko Bonkohara, 75 anos.

Com reverência e olhar de admiração, os jovens escutaram os relatos de Morita e Bonkohara, que moram em São Paulo e dão seus depoimentos sempre que podem para alertar sobre os horrores da guerra e da explosão nuclear. Se em um primeiro momento houve sentimento de vingança por parte de Morita (que tinha 21 anos na época), hoje eles acreditam que ficaram vivos para cumprir a missão de levar a mensagem de paz à humanidade.

Morita é presidente da Associação dos Sobreviventes da Bomba Atômica, criada em 1984. Atualmente, 125 sobreviventes residem no Brasil. Antes dos depoimentos, um professor da escola fez palestra explicando aos alunos o contexto da Segunda Guerra. No final, outro docente comentou como se dá a reação química que resulta na explosão nuclear.

 
Destruição em massa
 
A Alemanha já havia se rendido quando, no dia 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos jogaram sobre a cidade de Hiroshima a “Little boy”, primeira bomba nuclear de destruição em massa da população civil. O artefato, que continha 65 kg de urânio e poder explosivo de 15 quilotons, foi lançado do avião Enola Gay e demorou 43 segundos até detonar, a 600 metros do chão.

O clarão atômico cobriu o céu de Hiroshima com fuligem e poeira, e ergueu uma coluna de fumaça de 18 quilômetros de altura. Logo depois, uma chuva negra caiu sobre a cidade, banhando as pessoas com radiação. Três dias depois, foi a vez de Nagakasi conhecer o horror de uma explosão nuclear. Inicialmente projetada para ser detonada na cidade de Kokura, a nebulosidade fez com que os militares norte-americanos mudassem o alvo. Em 15 de agosto do mesmo ano, o governo japonês declarou rendição incondicional e findou a Segunda Guerra Mundial.  

As estimativas apontam que cerca de 140 mil pessoas morreram em Hiroshima e 70 mil morreram em Nagasaki. Mas muita gente continua morrendo nos anos seguintes devido aos efeitos da explosão nuclear. A bomba serviu como demonstração ao mundo do poderio bélico dos EUA e, ainda, funcionou como um alerta à Guerra Fria, que bipolarizou o mundo até a queda da União Soviética, em 1991.

 
Inferno na terra 
 
Em 6 de agosto de 1945  Takashi Morita tinha 21 anos, era policial militar em Tóquio e estava em missão havia dois dias em Hiroshima. O dia amanheceu ensolarado quando um clarão assustador deu início à destruição. Morita, que estava a 1,3 km do epicentro da detonação, foi lançado a muitos metros de onde se encontrava. A farda e o chapéu da polícia protegeram seu corpo da exposição total ao calor, deixando-o com ferimentos mais graves somente no pescoço e nas mãos.

Depois da explosão, veio a escuridão e a “chuva negra”, precipitação de poeira radioativa cujos efeitos em seres humanos vão desde queimaduras graves a mutações genéticas. Morita lembra que, desesperadas por água, as pessoas morriam ao engolir a radiação preta que vinha das nuvens, achando que aquilo iria acabar com a sensação de sede. 

Sete décadas depois, o velho sobrevivente não esquece o terror à sua volta: pessoas queimadas com a pele esgarçada pendendo de seus corpos, cadáveres espalhados por todos os lados, tudo destruído e o cheiro de morte no ar. Morita contou que vagou pelas ruas arrasadas de Hiroshima tentando salvar a vida de quem podia. Fez até o parto de uma mulher no meio da rua. Ele passou dois dias sem comer nem beber até a cidade ser socorrida. Depois foi hospitalizado para tratar dos ferimentos.

Em 1956 veio para o Brasil, com a mulher e dois filhos. Carregava um diagnóstico de leucemia, mas, felizmente, a doença não se manifestou. Aqui nasceram seus três netos e uma bisneta, cuja foto ele exibiu aos estudantes, sob aplausos.
 
Salvo pelo pai
Kunihiko Bonkohara tinha apenas 5 anos quando a bomba caiu, mas, apesar da pouca idade e da distância de tempo, guarda lembranças claras da tragédia. Ele estava em casa com o pai, a dois quilômetros do ponto de impacto. “Minha mãe tinha saído para trabalhar (em época de guerra, todo mundo tinha que trabalhar) com minha irmã, meu pai não deixou que ela me levasse para não atrapalhar”, contou. Elas morreram.

Quando ocorreu a explosão, o pai, assustado, colocou o menino embaixo de uma mesa e se jogou em cima. “A parte de cima do sobrado onde morava foi destruída, mas tivemos sorte porque a casa, de tijolo, foi uma das poucas que não pegaram fogo”. O pai saiu depois de bicicleta procurando pela mulher e a filha. “Eu lembro que ele me falou para não pisar na cinza porque embaixo tinha corpos. As pessoas pediam água, pai não dava, pois com o corpo queimado, se tomar água, morre. Vi também muita gente dentro das caixas-d’água, tudo morta”.

Mesmo com a proteção da mesa, ele teve o corpo perfurado por inúmeros pedaços de vidro, principalmente os braços. Bonkohara emigrou para o Brasil em 1960, quando tinha 20 anos. Primeiro, trabalhou como agricultor no Paraná e, depois, veio para São Paulo em 1963. Casou, mas não teve filhos.
 
 
Palestra Viva – A iniciativa do Colégio Objetivo faz parte de um projeto que a diretora, Sueli Elias, denomina Palestra Viva da História, que já trouxe sobreviventes do Holocausto e da Guerra do Vietnã. Os encontros acontecem a cada dois meses. “A Segunda Guerra Mundial é um acontecimento distante para eles, que conhecem o conflito de livros, de filmes. O contato com sobreviventes ajuda a introjetar o sentimento de paz. Eles são mais propensos a aceitar a mensagem, pois não conviveram com a guerra”, comenta a diretora.