Santos

A próxima parada

13/03/2015
A próxima parada | Jornal da Orla
Numa cidade de área urbana com menos de 40 km² e que em pouco tempo o número de veículos particulares tende a ser igual ao de habitantes, a existência de um transporte coletivo de qualidade é uma questão de legítima defesa. 
 
Mas garantir um meio de locomoção rápido, confortável, seguro e preço acessível é uma equação de difícil solução. Poder público, empresa privada para operar o sistema, passageiros e trabalhadores têm argumentos, queixas e necessidades que algumas vezes são congruentes, mas, na maioria das vezes, entram em choque entre si. 
 
O grande desafio, portanto, é organizar o sistema de transporte coletivo que concilie todos os interesses. O resultado da concorrência pública para definir a empresa que iria explorar o sistema pelos próximos oito anos seria conhecido na segunda-feira (16), mas a licitação foi suspensa por determinação do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
 
O edital de licitação formulado pela Prefeitura prevê a reestruturação do sistema (com modificações de linhas e itinerários) e a integração temporal e tarifária. A grande novidade é a implantação do bilhete único, modelo implantado com sucesso em outras cidades. Com ele, além de economia, o usuário perderá menos tempo em seus deslocamentos.
 
Mas há muitas dúvidas e pendências no ar envolvendo um serviço que no ano passado registrou 4,5 milhões de embarques por mês. E isso ficou claro na audiência pública realizada quarta-feira (11) na Câmara Municipal. Além de especialistas convidados e do presidente da CET, Antonio Carlos Silva Gonçalves, o encontro contou com a participação de representantes de movimentos sociais e estudantes, que apresentaram demandas e sugestões para o modelo de transporte público a ser implantado na cidade nos próximos anos.
 
“Este é o momento de definirmos o sistema de transporte público que queremos para nossa cidade. Ampliação da tarifa zero, abertura e detalhamento das planilhas que definem o preço da passagem, redução das margens de lucros, melhoria da logística dos itinerários, volta dos assistentes de bordo, são alguns dos pontos cruciais”, enfatiza o vereador Evaldo Stanislau, que propôs a realização da audiência. 
 
O presidente da CET citou as dificuldades que as condições geográficas e a concepção urbanística de Santos apresentam. “A área insular é de 39 km² e é quase toda plana; temos apenas 7% de relevo. A cidade é conurbada, extremamente verticalizada, o lençol freático está próximo. Isso torna difícil a construção de viadutos, passagens no subsolo e outras intervenções”, argumentou.
 
Como funciona
Hoje, o transporte coletivo em Santos é operado pela Viação Piracicabana. A frota é de 299 veículos, com idade média de dois anos, todos dotados com elevadores para embarque e desembarque de cadeirantes. Os veículos estão distribuídos em 40 linhas de ônibus.
 
As linhas de mais demanda são as 154 e 155 (circulam pelas avenidas Ana Costa e Conselheiro Nébias até o Jardim Rádio Clube, na Zona Noroeste), que transportam mais de 200 mil passageiros/mês cada uma. As linhas mais antigas são a 19, 23, 29 e 42. O itinerário mais longo é cumprido pela 152 (Praça Jeronimo de La Terza, no Rádio Clube, terminal, Canal 1, praia, ferry boat, Afonso Pena e Zona Noroeste). A média de passageiros transportados no ano de 2014 foi de 4,5 milhões por mês, o que representou um aumento de 2,84 mil de usuários por dia em relação ao ano anterior. Por dia, são cerca de 150 mil viagens de pessoas.
 
A nova concessão
O novo contrato que terá vigência de oito anos. Vencerá a licitação a empresa que cumprir todos os requisitos de habilitação e oferecer o menor valor da tarifa. Uma das exigências será manter todos os benefícios à população conquistados nos últimos dois anos, como ar condicionado em metade da frota e 100% de rede wi-fi. O edital também prevê a possibilidade de utilizar subsídio público equivalente a até 25% do valor arrecadado com IPVA pela cidade. Enquanto a licitação não for concuída, permanece em vigor o contrato com a Viação Piracicabana.
 
Questões importantes
 
Linhas circulares – Quando o Terminal do Valongo foi inaugurado, no início dos anos 1990, a expectativa era de redução do tempo das viagens, tanto na Zona Leste como na Zona Noroeste da cidade, já que o equipamento permite que o usuário faça baldeação. Entretanto, mantido o sistema de linhas circulares, o terminal praticamente perdeu sua função original. As viagens continuaram longas e a espera do usuário aumentou. Em contrapartida, linhas longas representam mais quilometragem rodada, o que implica diretamente no custo da planilha que define o valor da tarifa. O presidente da CET citou como exemplo uma linha que sai da Zona Noroeste rumo à Ponta da Praia e leva uma hora e meia para cumprir um trajeto de 20 quilômetros.
 
Corredores exclusivos – Santos ainda não tem corredores de ônibus, só algumas faixas exclusivas em determinados momentos do dia. Os corredores permitem aumentar a velocidade do veículo e tornam as viagens mais rápidas, barateando o sistema.
 
Gratuidade – Segundo a CET, cerca de um terço da tarifa “cheia” equivale ao custo das gratuidades: os 50% concedidos aos estudantes e 100% para  pessoas com 65 anos ou mais, deficientes físicos, profissionais de categorias específicas e portadores de algumas doenças.
 
Integração de modais – De acordo com Gonçalves, um dos principais desafios é compatibilizar os modais de transporte (VLT com ônibus, VLT com bicicletas). Cada ponto do VLT terá uma estação de bike. Por sinal, ele adiantou que a entrega do VLT não será mais em setembro, pois há muitas obras ainda para serem executadas.
 
Pontos e abrigos – Hoje há 400 pontos na cidade e o edital prevê a instalação de mais 150 pontos cobertos no prazo de cinco anos. A CET também pretende aumentar a distância entre os pontos: dos atuais 200 metros para 400 metros. O objetivo é encurtar o tempo de viagem.
 
Subsídio público – Uma lei municipal recém-aprovada permite que a Prefeitura subsidie a tarifa com até 25% do que for arrecadado com o IPVA na cidade (cerca de R$ 22 milhões por ano). Na audiência pública, o diretor de Gestão Econômica e Financeira da SPTrans, Adauto Farias, afirmou queo  modelo de financiar a tarifa com subsídio público está esgotado. Segundo ele, o transporte coletivo não pode ser pago somente pelo usuário, pois empreendimentos privados também devem dar sua contrapartida. 
 
Condições de trabalho – A falta de instalações sanitárias para uso dos funcionários nos pontos finais das linhas foi uma das questões levantadas na audiência. Quanto à questão de segurança, o presidente da CET argumentou que, após a implantação do cartão transporte, o número de assaltos a motoristas de ônibus caiu de 30 por mês em 2013 para 1 por mês. “Em 2013, 39% pagavam em espécie; hoje, só 9% compram a passagem em dinheiro”, disse. 
 
Ar-condicionado – Em Santos, metade da frota dispõe de aparelhos de ar-condicionado. Em uma cidade calorenta como a nossa, a iniciativa merece aplausos. A questão levantada foi quanto à limpeza dos filtros, se é feita, com qual periodicidade e os riscos que a falta de manutenção correta pode representar para a saúde dos usuários e funcionários. 


Vários ônibus com a mesma passagem
 
O bilhete único permite o desembarque em qualquer ponto de parada e a mudança de ônibus, dentro de um determinado período, sem precisar pagar outra passagem. Diferente do que ocorre hoje, quando a passagem vale para o transporte de um local para outro, o usuário vai comprar tempo de transporte, podendo fazer a integração em qualquer ponto. Segundo Gonçalves, o bilhete único dará à Prefeitura total controle de quantos entraram e saíram do veículo de fato, item importante para definir a tarifa.