Em entrevista ao programa Jornal da Orla na TV, o ex-prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa (PSDB), que inicia seu primeiro mandato como deputado federal, diz que a sociedade deve estar preparada para um ano de muitas dificuldades: “É hora de apertar o cinto”, afirma. Mas ele também se diz convencido de que as dificuldades podem gerar oportunidades e favorecer soluções. Ele criticou o governo federal que vendeu a imagem de um país rico e gastou mais do que podia. A conta chegou, é amarga, e será paga pelo povo brasileiro. Em um ano difícil, Papa revela o que considera prioritário para a Baixada Santista. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Jornal da Orla – O país vive uma crise política e econômica. O que podemos fazer para evitar que essa crise afete diretamente a Baixada Santista, por exemplo, com cortes de projetos e recursos dos Governos Estadual e Federal para as cidades da Baixada?
João Paulo Tavares Papa – Nós temos que ter consciência de que estamos vivendo um ano atípico; é um ano de sacrifícios, onde a economia tende a se retrair muito. Os indicadores estão aí a demonstrar isso. A inflação tende a subir. A atividade econômica e, consequentemente, o índice de empregabilidade e desemprego se alterarão neste ano. Ou seja, é um ano que os especialistas apontam claramente pela necessidade de ajustes. E o termo ajuste significa sacrifício, e o sacrifício é sempre para a população. Então este é o ano que nós vamos sofrer e já era previsível. Não foi um fenômeno que ocorreu agora por uma questão circunstancial. A economia brasileira, há três anos, vem caminhando para esse ponto que é à beira de um abismo, um momento de grandes dificuldades.
E como fica a nossa região?
Papa – A Baixada Santista está inserida neste conjunto. Acho difícil evitar que algumas consequências da crise econômica cheguem na Baixada. O que nós temos que fazer, de um modo geral, todos os brasileiros, é trabalhar, pensar melhor no futuro. O Governo Federal, o Governo do Estado e as Prefeituras têm que ter um comportamento mais ajustado à realidade brasileira. Eu já falei sobre essa questão de o Brasil ser um país rico, mas nós somos um país em desenvolvimento, com um imenso potencial de crescimento econômico e social, mas não somos um país rico. Um país rico é um país que, além de reservas, tem uma boa educação, um povo preparado tecnicamente, com qualidade de vida, que superou seus dramas sociais (e nós não superamos ainda). Há um abismo entre a classe média e as classes menos favorecidas, isso continua sendo um grande problema brasileiro. Nós não podemos nos comportar como um país rico, que tem dinheiro para gastar em coisas supérfluas. Mesmo as famílias brasileiras precisam ter uma nova consciência, pelo menos essa é a minha opinião, a respeito do momento, de qual é, de fato, a realidade brasileira.
Por exemplo?
Papa – Nós devemos poupar mais, nós devemos investir mais em educação e menos no consumo desenfreado. Obviamente que o consumo é importante. O mercado interno chama a atenção do mundo inteiro. Há países exportando mercadoria para o Brasil em grandes quantidades, porque sabe que surgiu uma nova classe média brasileira. Agora o consumo interno é importante, ele é uma alavanca para o crescimento econômico, mas ele precisa ser responsável. Nós temos que poupar, também, os governos e as famílias. Acho que essa crise, assim como a crise hídrica, está trazendo lições da maior importância para o futuro brasileiro. Eu espero que a crise econômica também traga lições.
Ou seja, nós podemos aprender e crescer com a crise?
Papa – Devemos. Países que foram à lona, que praticamente saíram destruídos depois da 2ª Guerra Mundial, como o Japão, Alemanha e outros países da Europa, países inteiros em frangalhos, economia, parque industrial e autoestima destruídas, recomeçaram a partir de uma nova consciência e hoje são nações extremamente desenvolvidas. Eu acho que a crise traz a perspectiva. Acho que o Brasil precisa cair na real, esse Brasil fantasioso que nós criamos a partir da metade da década passada, de um país rico, sem problemas econômicos, que pode se equiparar às nações mais evoluídas do mundo. Nós passamos essa imagem para a população brasileira, principalmente o governo (federal) passou. Um país que se dá ao luxo de investir fora do seu território e emprestar dinheiro para outros países, entrar em conflitos internacionais, investir do jeito que foi investido para realizar eventos enormes, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Esse Brasil ufanista, gastador, perdulário não existe, ele não se sustenta.
A conta está chegando agora. Mas tem um problema. O senhor falou de um ano de sacrifícios, mas os políticos, principalmente lá em Brasília, têm essa consciência de que a crise é para todos e que eles também têm que dar exemplo para a população? Porque quando o cinto aperta, aperta para o cidadão comum, mas não aperta para a classe política. Eles têm essa noção?
Papa – Eu penso que alguns têm, outros não. E não é só a classe política, mas também a classe empresarial, os mais abastados do país. Evidentemente, quando a economia entra em colapso quem sofre é o mais fraco, é sempre o mais fraco. Quando a inflação volta, quem perde com isso não é o rico, quem tem capital e recursos para investir e aplicar também ganha com a inflação. Vamos lembrar o tempo que o Brasil vivia uma hiperinflação, que as pessoas que estavam capitalizadas ganhavam com a inflação, porque aquilo alimentava uma ciranda financeira que fez fortunas no país. Acho que, de fato, a estrutura fraca que paga a conta que paga pelo aumento de tarifas é a massa. Quem está no mercado financeiro fazendo aplicações, quando a inflação vem, se protege, porque as aplicações vão repondo as perdas da inflação. Quem vive do salário não tem como fazer essa proteção, pois a inflação é todo dia no supermercado. Por isso que eu insisto que o desenvolvimento brasileiro precisa se dar em bases mais sólidas e realistas. Não podemos nos enganar. Nós não somos ainda uma nação que possa se dar ao luxo de fazer determinados excessos. Nós não somos uma nação rica. Uma nação rica é aquela que tem um ótimo nível de educação, que tem os seus profissionais atualizados, bem qualificados, que tem qualidade de vida. E não é essa a realidade brasileira. As decisões políticas populistas que são tomadas muitas vezes no ano eleitoral ou nocalor de pressões, que ocorreram nos últimos anos, têm o efeito momentâneo de aumentar a popularidade do governo, mas qualquer economista ou qualquer cidadão que sabe fazer conta sabe que quando se toma uma decisão sem base na realidade, a conta vem no ano seguinte. E é isso que o Brasil está vivendo hoje, infelizmente.
Diante deste quadro de dificuldades, quais devem ser as prioridades de projetos que contam com recursos federais e estaduais para a Região Metropolitana da Baixada Santista?
Papa – Eu penso que na Baixada nós temos uma carteira de projetos de infraestrutura muito boa, muito ampla, e há anos aguardada. Porém, se o cinto apertar, e deve apertar, nós precisamos ter clareza e responsabilidade para elencar prioridades. Aquilo que não for essencial para dar vazão à criação de empregos e de novos negócios é o que se deve adiar. Então, dentro deste quadro, pensando nas grandes obras da cidade, as obras que estão em andamento, como as obras de combate à enchente, os conjuntos habitacionais, obras que são essenciais para a qualidade de vida das pessoas devem continuar. Portanto, o plano regional de habitação, que já está em curso, deve continuar. Nas grandes estruturas, acho que a prioridade daquelas obras que não foram iniciadas é a da entrada da cidade. Porque a entrada da cidade é um complexo, porque se trata de um conjunto de obras que torna a malha rodoviária Anchieta e Imigrantes mais eficiente, portanto é uma obra de interesse metropolitano. Já a segunda parte das obras é em relação ao acesso ao Porto, então aí estamos falando de obras de interesse nacional. Melhorar o acesso rodoviário ao Porto de Santos, que depende tanto de caminhões, é essencial para a economia.