Um relatório produzido pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pelo portal de educação financeira Meu Bolso Feliz conclui que a principal utilidade do crédito oferecido ao consumidor brasileiro é a satisfação de desejos de consumo de curto prazo como roupas e sapatos (63% do total), eletrônicos (58%) e eletrodomésticos (44%). Além disso, os estudos mostram que há uma inclinação maior do brasileiro para financiar mercadorias supérfluas. O relatório do SPC foi gerado a partir da análise de quatro pesquisas sobre o perfil do consumo do brasileiro divulgadas pela empresa ao longo de 2014.
Os estudos realizados pelo SPC Brasil mostram que o consumidor tem usado empréstimos para comprar mercadorias que não podem ser consideradas itens de necessidade. Além disso, em muitos casos, a compra financiada se concentra em itens de valor mais baixo, que poderiam ser pagos a vista. “O perfil de consumo do brasileiro tem como característica a compra imediatista, ou seja, aquela que tem a necessidade do prazer imediato, em que todas as consequências de longo prazo ? como, por exemplo, o endividamento ? não são consideradas em muitos casos”, explica a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti.
E de fato uma pesquisa sobre o comportamento dos adimplentes e inadimplentes mostrou que 17% dos consumidores em idade adulta ? o que representa cerca de 23 milhões de pessoas ? se encaixam no perfil imediatista, ou seja, de consumidores inclinados a viver o presente, sem se preocupar com o futuro financeiro e sem o hábito de planejar ou poupar. “Entre as pessoas que se encaixam neste perfil e que estão inadimplentes, 51% admitiram que o problema que os levou ao atraso de dívidas foi o descontrole financeiro, citado por 34% da amostra”, observa Marcela.
Já quando os consumidores são confrontados com a possibilidade de não poderem parcelar as compras, 24% da amostra acredita que o crédito é essencial e que, portanto, não fecharia as contas do mês ou não conseguiria mais comprar pelo fato de não poder parcelar.
Crédito fácil e caro
O estudo sobre o uso do crédito no Brasil mostra que o cartão de crédito é a modalidade mais usada pelos consumidores (em 83% dos casos), seguido pelo empréstimo (53%) e pelo crediário (50%). Além disso, um em cada dez brasileiros declara ter mais de quatro cartões de crédito. Outros estudos apontam que a forma de pagamento mais utilizada pelos entrevistados depende basicamente do valor do bem a ser comprado: produtos de menor valor são pagos em dinheiro e os de maior valor, no cartão de crédito.
Além disso, os estudos apontam que o brasileiro tem a visão do crédito e financiamento como uma forma de deixar a sua renda mensal mais elástica e não apenas como uma forma de acessar produtos mais caros, cujo pagamento à vista é mais difícil.
“É preocupante o fato de que 12% dos consumidores acreditam que o cartão de crédito e o cheque especial são parte da renda mensal. E ainda mais preocupante: 13% sequer sabem quanto têm para gastar no mês”, relata Kawauti.
Na avaliação da economista, existem dois grandes problemas quando se trata deste tipo de crédito mais acessível. “Em primeiro lugar, este tipo de instrumento financeiro em geral, é mais caro que os demais”, diz a economista. Segundo a especialista, dados do Banco Central do Brasil mostram que a taxa de juros média cobrada no cheque especial é de 187,8% ao ano, muito acima, por exemplo, da taxa média de crédito pessoal, de 25,5%.
“Em segundo lugar, este tipo de crédito leva à falsa impressão de facilidade de pagamento e muitas vezes incentiva o consumo desnecessário e acima dos limites do orçamento”, alerta. O estudo do SPC Brasil relata que 19% dos entrevistados admitem ter o hábito de comprar produtos desnecessários, porque o parcelamento está disponível, percentual que aumenta entre os mais jovens. Quando perguntados em relação ao parcelamento, 20% dos consumidores adimplentes admitem que preferem parcelar as compras mesmo quando o valor não é muito alto para poder comprar mais. Entre os inadimplentes pesquisados, este percentual cresce para 30%. Sem mencionar que 21% não sabem sequer a quantidade de prestações que ainda estão pendentes de pagamento.
O relatório dos SPC Brasil conclui que a relação do brasileiro com o crédito, assim como sua decisão de consumo, são tomadas com uma visão limitada no curto prazo. Para os economistas, essas atitudes têm feito com que o crédito fácil ganhe espaço. “O problema principal é que o crédito farto direcionado a compras imediatista, em muitos casos, leva à inadimplência. Cerca de um terço dos entrevistados admitiram que têm o nome registrado em algum serviço de proteção ao crédito”, afirma Kawauti.
A porcentagem é consistente com a estimativa do SPC Brasil de que um total de 55 milhões de pessoas têm algum registro. Este percentual corresponde a cerca de 40% da estimativa atual da população economicamente ativa. “Dentre os inadimplentes, o valor médio da dívida chega a R$ 4.007,27. Quando comparamos este número com a renda familiar, a estimativa é de que o inadimplente tem pendências que somam de duas a três vezes sua renda família”, afirma a economista.