Comportamento

O garçom do prefeito

28/11/2014
O garçom do prefeito | Jornal da Orla
Neste período de tempo o mundo se transformou como nunca ocorrera em toda a história da humanidade, políticos se confrontaram a cada quatro anos para ocupar a cadeira principal do palácio, mas João permaneceu inabalável às voltas com o poder, sempre com a cordialidade e o sorriso que lhes são característicos.
 
João é o garçom do gabinete do prefeito de Santos – o único de carreira no funcionalismo municipal. Na verdade, a função foi criada especialmente para ele, quando foi efetivado por força da Constituição de 1988. Na época, servia o prefeito Oswaldo Justo, que foi quem lhe abriu as portas da Prefeitura por indicação de um diretor da Prodesan, que conhecia os serviços de João no Restaurante Caiçara, que fica em frente à empresa.
 
Desde então todos os mandatários eleitos depois que Santos recuperou a autonomia política foram atendidos por João: Telma de Souza, David Capistrano, Beto Mansur, João Paulo Tavares Papa e, agora, Paulo Alexandre Barbosa. O atual prefeito, por sinal, ele conheceu ainda criança, quando acompanhava o pai Paulo Gomes Barbosa ao Palácio José Bonifácio. “Você ainda vai servir café para o meu filho quando ele for prefeito”, profetizou Barbosa, falecido em 2011.
 
Discrição é a alma do negócio
 
Qual é o segredo para se manter por tantos anos em um cargo de tanta proximidade com o poder e conquistar a confiança e simpatia de mandatários de diferentes matizes? A cordialidade, eficiência e simpatia com certeza contam muitos pontos, mas o estilo discreto é um argumento fundamental.
 
Por isso, não se iluda com o jeito sorridente, prestativo e educado de João. Ele sabe manter a devida distância para evitar maiores intimidades no trabalho e, como testemunha dos bastidores da Prefeitura, é um túmulo. “Não presto muito atenção na pessoa. Minha preocupação é somente em fazer a minha função, sem atrapalhar. Não escuto, não enxergo e nem trago problemas de fora para cá. Este é um trabalho para ser exercido com cuidado, carinho, respeito, atenção e sempre com educação”, enfatiza. Em seu site (é, tem um – www.joaojoliveira.com.br -, feito por sugestão de um colega), ele relata apenas sua experiência profissional, nada mais.  
 
Discreto, como convém na função, e político como a vida ensinou. Garante não ter preferido entre os prefeitos que já atendeu e, embora faça escolhas, não declara seu voto em eleição nem por decreto. Seja para presidente, governador, prefeito ou vereador. Confessa que já foi bastante assediado para sair candidato e tem gente que confunde sua proximidade com o poder e lhe pede favores. “Eu evito pedir qualquer favor a algum político. Gosto de seguir no caminho certo, não adianta prometer”.
 
 
Café, água ou mate?
Baiano de Fátima, perto de Feira de Santana, João veio para Santos aos 17 anos, sonhando com dias melhores.  Trabalhou em lanchonete, pizzaria, restaurante, mas nunca fez curso para garçom. Aprendeu por esforço próprio, inclusive as regras de etiqueta. “Tenho sempre o livro de Fábio Arruda por perto para consultar”, conta.
 
João também se destaca pelo capricho com o visual: os cabelos sempre aparados, barba feita e impecavelmente trajado – sapatos, calça, gravata e um colete pretos sobre uma camisa branca. No lado direito do peito, dois botons: um com o brasão de Santos e outro com o próprio nome.
 
Em tantos anos de função ele já serviu chefes de governo, políticos, jornalistas, artistas, atletas e guarda, orgulhoso, uma pasta com fotos suas com personalidades, entre elas a presidente Dilma e Beto Carrero. Há também o flagrante dos fotografados em papéis invertidos: durante campanha na cidade, o presidente Lula em uma brincadeira serve chá para ele. 

 
 
Chá e cantoria
Famoso por sua receita de chá mate com limão, servido gelado e cremoso, a única coisa que lhe tira do sério é quando o pessoal da copa não faz a bebida direito. “A gente ensina, não tem porque sair errado”, fala, um tanto zangado. O chá ganhou tanta fama que em dias normais são feitos de 60 a 70 litros quatro vezes por dia. No verão, pode chegar a 120 litros. 
 
Casado com Janaína e pai de uma menina de 4 anos e meio, o canto é outro talento de João, que tem queda por música sertaneja. Até sonhou em ser cantor profissional e já soltou sua voz afinada por diversas vezes em videokê. Sabendo disso, o prefeito Paulo Alexandre vez ou outra pede para ele dar uma palhinha no gabinete. “É para relaxar”, brinca o garçom. 
 
“Eu amo o que faço”, resume seu trabalho, que às vezes lhe consome até 12 horas do dia. “Entro de manhã e fico enquanto houver gente para atender”, conta, não se mostrando nem um pouco incomodado com isso. Planos para aposentadoria? Montar uma casa de chá. Em Santos, claro!