Comportamento

Civilizados, mas nem tanto

07/11/2014
Civilizados, mas nem tanto | Jornal da Orla
É tênue a linha que separa a civilidade da barbárie e exemplos não faltam para confirmar esta tese, seja na vida real seja na ficção. Todo momento somos bombardeados com notícias de situações absurdas ocorridas ao redor do mundo, movidas pelo descontrole emocional e protagonizadas por cidadãos até então acima de qualquer suspeita. 
 
Em cartaz, o filme argentino “Relatos Selvagens” apresenta em seis contos pessoas comuns cruzando a linha da selvageria. É uma sátira social ácida que poderia se passar em qualquer lugar e, mesmo rindo, a gente se enxerga em muitos daqueles personagens. Não é tema novo para o cinema e, portanto, da vida real: “Um dia de fúria”, de 1993, com Michael Douglas no papel principal, mostra do que a capaz uma pessoa comum diante de situações estresantes. 
 
Afinal, quem nunca ficou tentado a “surtar” diante do pouco caso no atendimento público, da burocracia, do jogo de empurra, do sentimento de impotência que consome a alma ao se deparar com a arrogância e a prepotência de ocupantes de determinados cargos que se acham acima da lei? 
 
Quando isto acontece na vida real, o homem perde a razão, por mais que se compreendam os motivos de sua ação. Até porque ele é um ser racional. Mas como disse José Saramago, em “Diálogos com José Saramago”, o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie.
 
“Falamos muito ao longo destes últimos anos (e felizmente continuamos a falar) dos direitos humanos; simplesmente deixamos de falar de uma coisa muito simples, que são os deveres humanos, que são sempre deveres em relação aos outros, sobretudo. E é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro, que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional. Isso, de facto, não posso entender, é uma das minhas grandes angústias”, relatou o escritor português.

Planeta de intolerantes e agressivos
De acordo com a psicóloga Michelli Duje, a pessoa se torna intolerante e irritada quando está sobrecarregada emocionalmente, quando não consegue dar conta de algumas situações em sua vida. Pode ser por questões que está vivendo hoje, ou por coisas que já aconteceram há muitos anos e não consegue superar.
 
A pessoa se sente presa e sufocada pelos problemas. Fica carregada de sentimentos negativos, sensível a qualquer situação que a deixe desconfortável, tornando-se cada vez mais impaciente, explosiva e de “pavio curto”. Muitas vezes a pessoa se torna agressiva, briga e desconta sua raiva em quem mais poderia ajudá-la, afastando as pessoas de seu convívio. 
 
“É importante a pessoa reconhecer a fonte de sua irritação, enfrentar e lidar com a situação, tomando cuidado para não se descontrolar em outras circunstâncias de sua vida, pois isso lhe causará ainda mais preocupações e problemas por sua impaciência. Quando falhar, reconheça e tente recuperar o que perdeu. Não hesite em procurar acompanhamento psicológico”, recomenda Michelli Duje.
 
Um mundo de estressados 
Para a médica Elisabete Fernandes Almeida, especializada em educação em saúde, a população mundial anda estressada, inclusive a brasileira. “A maioria das pessoas já começa o dia se estressando com o trânsito. Ao chegar ao trabalho, se depara com os problemas corriqueiros como prazos apertados, excesso de tarefas, pressão. No final do dia, o trânsito novamente é um fator que desencadeia o estresse. Quando chegam em casa, muitas vezes também enfrentam problemas domésticos. Isso quer dizer que o homem moderno vivencia o estresse praticamente 24 horas por dia, sem voltar ao estado de relaxamento”, constata.
 
A médica faz uma comparação entre o homem das cavernas e o homem moderno. “Há milhões de anos, os homens também viviam com estresse, pois tinham que caçar, salvar suas vidas dos animais selvagens etc. Porém, depois disso, ele relaxava tranquilamente embaixo de uma árvore, comendo uma fruta. Hoje, as pessoas não têm o tempo necessário para relaxar após os momentos de estresse. E isso faz toda a diferença”, diz.
 
Efeitos positivos e negativos – O estresse é uma resposta natural do organismo a uma situação nova ou a condições difíceis, ou seja, sem ele o ser humano não conseguiria sobreviver. Segundo a médica, o segredo para usar o estresse de forma positiva é o relaxamento depois da situação desafiadora, ou seja, após cumprir a tarefa que dá energia e vigoriza o corpo, o ideal é relaxar e se tranquilizar. Já o estresse negativo é quando a pessoa ultrapassa seus limites e esgota a sua capacidade de adaptação. “Ele é prejudicial, pois pode gerar problemas de saúde, uma vez que a pessoa não consegue voltar ao estado natural depois de sua ativação”, garante.