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Um gênio no piano e nas palavras

13/10/2014
Um gênio no piano e nas palavras | Jornal da Orla
Vários shows marcaram o acontecimento, porém o que mais me chamou a atenção foi o lançamento de “Solo”, pela Editora Leya, seu livro de memórias, escrito pelas suas próprias mãos geniais, que por tantos anos tocaram magicamente os pianos da vida.
 

No livro, descobrimos seu lado mais íntimo, sensível, intenso e por vezes solitário, talvez aí a inspiração do nome forte que a obra recebeu. Curiosamente descobrimos também que Cesar é um desenhista (técnica a lápis) de mão cheia. Em todos os capítulos podemos conferir seus desenhos dando forma aos assuntos abordados. Uma fotografia de suas imagens guardadas em sua cabeça e que nos intervalos da escrita iam sendo rabiscados. Divertido, poético e por vezes dramático, o livro passeia pela vida deste grande músico do nosso país, que considero como um dos mais completos e inspirados. A dedicação para escrever “Solo” foi intensa e total. Trocou por onze meses a companhia do seu inseparável piano pelo teclado do seu computador. Muitas horas por dia, todos os dias da semana. Outro detalhe curioso é que o livro foi lançado no palco e não nas livrarias. Cesar não se sentiria à vontade autografando os livros sentado apenas numa cadeira. Ele preferiu então o palco, local sagrado que ele considera como seu altar. Um repertório de composições inéditas e apenas algumas poucas antigas fizeram parte do “setlist” dos shows do lançamento do livro. Relatos emocionantes você vai encontrar no livro: seu primeiro piano, presente de aniversário quando completou treze anos, sua infância em São Vicente, Elis Regina, Wilson Simonal, o contrabaixista Sabá e Johnny Alf, que morou por oito anos na sua casa na infância e com quem aprendeu muito musicalmente, além de muitas outras histórias. Lembro com saudade a primeira vez que vi Cesar Camargo Mariano num palco. Foi num show na antiga sede do Clube XV (localizado Av. Vicente de Carvalho com o Canal 3), no início dos anos 80, para lançamento do disco “A Todas As Amizades”, gravado nos EUA. No Brasil, teve a companhia da Banda Placa Luminosa. Um show maravilhoso e inesquecível. Cesar Camargo Mariano, surpreendentemente autodidata e capaz de produzir uma sonoridade rica e criativa. Coisas que a música não explica. É preciso apenas sentir. Se permita então !
 
 
Cesar Camargo Mariano & Helio Delmiro – “Samambaia”
 
Sempre defendi a tese de que a música tem o raro poder de aproximar as pessoas. Agora imagine isso com relação aos músicos. Como em qualquer relação humana é preciso que haja química, identificação, cumplicidade.
 
Este trabalho lançado pelo Selo Odeon no ano de 1981 (ainda no formato de LP e anos depois no formato de CD no ano de 2003) é uma prova verdadeira de que o poder da música é algo inexplicável. O pianista Cesar Camargo Mariano foi ao encontro do seu velho amigo e companheiro de grandes batalhas, o violonista e guitarrista Hélio Delmiro. Para você ter uma ideia, o tema “Samambaia”, que dá nome ao trabalho, de autoria de Cesar, foi gravado de primeira, logo no primeiro “take”, confirmando a identificação musical e sensitiva do duo. Depois vieram “Emotiva no. 4”, “Carinhoso”, “Choratta”, “Maria Rita”entre outros temas.
 
Todas gravadas no mesmo clima de intensa harmonia e ligação emocional. Um disco instrumental clássico e absolutamente indispensável, que se tornou referência em gravações no formato de piano e violão.
 
 
Cesar Camargo Mariano & Prisma – “Ponte das Estrelas”
Este disco é muito marcante para mim. É um dos meus favoritos da belíssima discografia de Cesar. Ele foi gravado ao vivo, em 48 canais, no final dos anos 80, e sua proposta era de fazer música instrumental com o que havia de mais avançado em tecnologia na época. Foi o primeiro da história. Cesar se cercou de piano, teclados, computadores e equipamentos digitais. E conseguiu realizar seu grande sonho.
 
A concepção deste projeto foi iniciado nos trabalhos anteriores “Todas as Teclas” e “Prisma”, que tinham como objetivo apresentar novas sonoridades, incorporando os instrumentos eletroeletrônicos e computadores digitais. Uma mistura ousada, inovadora que marcou intensamente sua carreira. Ele reuniu uma banda de alto nível chamada de “Prisma”, composta por Azael Rodrigues na bateria, Dino Vicente nos teclados, João Parahyba na percussão, Pedro Ivo no contrabaixo, o saudoso Pique Riverti nos saxofones e flauta e Ulisses Rocha na guitarra. Os temas de sua autoria “Guaicá”, “Volto Já” e “Don Quixote” surpreendem pela beleza dos arranjos. E, mais, “Sabiá”, que com certeza deixou Tom Jobim muito orgulhoso, e uma versão de arrepiar de “Imagine”, de John Lennon, trouxe apenas Cesar Camargo Mariano no piano e teclados e o saxofonista Pique Riverti. Puro delírio.