Comportamento

Contagem regressiva numa boa

08/08/2014
Contagem regressiva numa boa | Jornal da Orla
Nos últimos tempos, os “gurus” da longevidade e do bem viver rezam a mesma cartilha: dieta saudável, exercício físico, distância do estresse e de hábitos nocivos, como o tabagismo, são as dicas recomendadas, mas será que esses cuidados são suficientes para garantir uma vida feliz e plena? A filósofa educadora Terezinha Azerêdo Rios lembra que, quando se trata de vida humana, não há garantias.
 
“Uma vida plena e feliz é um ideal, algo que tem um caráter utópico, mas vale dizer que a utopia não é o que é impossível de existir, mas o que ainda não existe. E a possibilidade do ideal se encontra no real. É aí que se define qual vida se quer levar, levando em conta as alternativas que se têm ou precisam ser criadas”, diz Terezinha, autora do livro “Vivemos mais! Vivemos bem?”, da editora Papirus 7 Mares, junto com o também filósofo educador Mario Sergio Cortella.
 
Os dois aclamados pensadores estarão pela primeira vez em Santos no sábado (16), às 16h30, compartilhando suas experiências com o público no Mendes Convention Center. O evento é organizado pela Comenius Escolar, empresa de educação voltada ao reforço escolar e à educação multidisciplinar.  
 
No livro, eles lembram, por exemplo, que queremos viver mais tempo, mas isso de nada vale se não pudermos experimentar esse tempo em sua riqueza, pois só vida longa pode ser uma experiência de agonia inútil. 
 
Nesta entrevista ao Jornal da Orla, Terezinha Azerêdo Rios faz reflexões sobre o tema, mostrando que a resposta está em nossa própria postura perante a vida.
 
Qualidade de vida
Sem dúvida, hábitos saudáveis melhoram a qualidade de vida, mas de que hábitos estamos falando? Alimentar-se bem? Fazer caminhadas? Aprender a dançar tango? Ler os clássicos? Não estou sendo irônica, apenas quero lembrar que não se pode afirmar o que é suficiente para uma vida plena. A plenitude é isso – o que está além das receitas, das “suficiências”.
 
 A vida que se quer e a vida que se tem
Somos seres políticos, inventamos um jeito de viver que, ao mesmo tempo em que nos constitui e nos liberta, nos constrange, nos coloca limites. Nossas escolhas são feitas, efetivamente, levando em consideração os valores de nossa cultura, as crenças, os aspectos morais. Como seres morais, respondemos às imposições dizendo ‘sim’ ou ‘não’ a elas, nos sujeitando ou nos rebelando. Não se vive apenas o que se quer e nem apenas o que se pode. Frustramo-nos, sim, quando imaginamos ser possível viver apenas o que queremos e não exploramos o que podemos. É bom pensar que o possível não está dado, muitas vezes. Trata-se de inventá-lo, o que desafia todas as nossas capacidades: inteligência, imaginação, memória, sentidos e sentimentos.
 
Coragem e humildade
Coragem e humildade são os requisitos fundamentais para uma vida sábia. A coragem é uma virtude requerida diante do perigo. Envelhecer, na nossa sociedade, é um perigo… Estamos sujeitos à impaciência dos outros, às zombarias. O tempo passa para todo mundo. Mas há mesmo que procurar ter uma visão crítica, que implica o reconhecimento dos limites e o empenho no sentido de superá-los.  E é preciso dizer ainda que coragem e autocrítica são como cautela e canja de galinha – não fazem mal pra ninguém.
 
Os desafios do envelhecimento
Não creio que a ausência de responsabilidades seja garantia para uma vida melhor. Como seres livres, temos sempre que tomar decisões e somos sempre responsáveis pelas ações que delas decorrem. O medo, o desânimo e o comodismo são, na verdade, empecilhos para que tomemos decisões que nos favoreçam, que tornem nossas relações mais amplas, mais férteis.  Crescemos quando aprendemos, convivemos, procuramos nos conhecer mais, buscar sentido para nossas ações e relações. Como fazer isso? Procurando afastar os estereótipos, superar os preconceitos sobre o envelhecimento. Não é fácil, mas vale enfrentar o desafio.
 
Qualidade material de vida 
Sem uma base material, não se pode realmente falar em vida, em chama de vida. Entretanto a própria expressão já nos leva a pensar que a vida constitui algo para além do que chamamos de “necessidades básicas”. Há uma articulação entre liberdade e necessidade. Quando vivemos apenas no sentido de atender às necessidades básicas, somos menos livres. O homem e a mulher não são apenas seres de necessidade, mas de desejo. Há algo que os impulsiona a criar novas necessidades, a inventar algo, a transcender-se.  Isso, sim, aquece e enriquece a vida. 
 
“Terceira idade” e outros eufemismos
Acostumamo-nos a empregar essas expressões que procuram “disfarçar” algo considerado negativo ou doloroso. Você já ouviu alguém falando em “primeira idade” ou “segunda idade”? A pior de todas é “melhor idade”. Que critérios são usados para essa qualificação? É muito difícil afirmar que se está vivendo o melhor momento quando ainda não se viveram todos… Numa sociedade que valoriza especialmente a juventude, talvez fosse mais correto dizer que essa, sim, é a melhor idade. Mas será isso o que afirmariam os jovens?
 
Tempo para planos
O que se diz do idoso é que ele tem mais passado que futuro. Mas, em qualquer idade, o único tempo de viver é o presente, no qual se entrecruzam o passado, como memória, e o futuro, como projeto. Sem projeto, não se pode falar em vida ampla. O que caracteriza os seres humanos é exatamente isso – poder projetar, lançar-se à frente. A idade, qualquer que seja ela, não é obstáculo para traçar planos. O que constitui obstáculo são os medos, a aposta na impossibilidade de superação dos desafios. E o não acolhimento dos outros, o não reconhecimento das diferenças, a indiferença, esse grande pecado ético.
 
Serviço – Encontro com Terezinha Azerêdo Rios e Mario Sergio Cortella,  16 de agosto, às 16h30. Ingressos na Comenius Escolar (r. Nabuco de Araújo 164B, tel. 3231-4141), Academia Teyang (av. Joaquim Montenegro, 420) e Auto Posto Praiamar (av. Pedro Lessa, 1000).