Esta semana vou prestar uma justa homenagem a um dos maiores nomes da Bossa Nova, seja como músico, através da sua levada diferenciada e marcante no violão, como compositor, produtor e diretor artístico de gravadoras, mas que infelizmente não teve o merecido reconhecimento, que, na minha opinião, deveria ter sido proporcional à sua grande e real importância musical.
Falo de Durval Ferreira, aquele que tinha “olhos de gato”, e que deixou um legado enorme para a Bossa Nova, com mais de cem inspiradas composições. Legado esse que pode ser sentido até os dias de hoje, para nossa sorte e imensa alegria.
Trouxe a musicalidade da Zona Norte, onde nasceu e foi criado, para Zona Sul, onde o movimento se consolidou e lá desfrutou da amizade de Bebeto Castilho (Tamba Trio), Tom Jobim, Johnny Alf, João Donato entre tantos outros nomes importantes. Os maiores intérpretes do Brasil gravaram suas composições. Meus destaques: Leny Andrade, Pery Ribeiro, Emílio Santiago, Elis Regina, Agostinho dos Santos e Wilson Simonal, Johnny Alf, Silvio César, Sarah Vaughan, entre outros nomes importantes.
Durante alguns dias tive a honra de me hospedar na cidade do Rio de Janeiro, na casa de seus familiares, e ali pude sentir muito da sua energia, através de seus objetos pessoais, instrumentos, fotos, partituras, premiações, enfim, muito da sua história. E essa experiência me inspirou demais.
Para você ter uma ideia da sua importância, seu encontro com outro músico, o gaitista Maurício Einhorn, rendeu uma das parcerias mais importantes e marcantes da Bossa Nova. No ano de 1958, o tema “Sambop”, de autoria da dupla, foi um divisor de águas, pois numa levada arrojada aproximou a Bossa Nova do Jazz, o que para alguns puristas poderia ser algo impossível. Eles eram fãs do Jazz, de do Bebop, de Charlie Parker, Chet Baker, George Gershwin.
Tocou em 1962 no célebre concerto da Bossa Nova no Carnegie Hall em Nova York, como integrante do conjunto de Ed Lincoln e do sexteto Bossa Rio de Sérgio Mendes, chegando a gravar na oportunidade com o saxofonista americano Cannonball Adderley, no antológico disco “Cannonball’s Bossa Nova”.
Nesta mesma década, atuou ao lado do “Tamba Trio” e liderou o conjunto “Os Gatos” (nome inspirado na cor azul do seus olhos), que lançaram “Aquele Som dos Gatos” (1965) e “Os Gatos” (1966).
Por ser extremamente exigente, seu primeiro CD como líder só foi lançado no ano de 2004, alguns anos antes de seu falecimento. E, ali, seus maiores sucessos estão perpetuados: “Estamos Aí”, “Nostalgia da Bossa”, “Tristeza de Nós Dois”, “Chuva”, “E Nada Mais”, “Batida Diferente”, “Moça Flor” e “I Love You”, homenageado suas parcerias com Maurício Einhorn, Lula Freire, Pedro Geraldo Camargo, Regina Werneck.
Durval Ferreira merecia ter mais destaque e reconhecimento. E muito mais do que “gato”, o considero como um verdadeiro “leão”. Um “leão com olhos de gato”. Pelo seu trabalho, pela sua importância, pela sua música e pela sua infinita inspiração.
Durval Ferreira – “Batida Diferente”
O saudoso violonista Durval Ferreira, conhecido no meio musical como “Gato” pelos seus olhos azuis, foi um dos compositores e intérpretes da Bossa Nova menos festejados e um dos mais injustiçados. Compôs uma centena de temas importantes para a Bossa Nova e, por incrível que pareça, somente no ano de 2004 conseguiu gravar seu primeiro trabalho solo, três anos antes do seu falecimento. O nome do CD lançado pelo selo Guanabara Records, para comemorar os seus quarenta anos de carreira, não poderia ser outro, “Batida Diferente”, que foi um de seus maiores sucessos.
E o seu envolvimento no projeto foi total. Assinou como produtor, diretor artístico, violonista, arranjador e intérprete de seu próprio trabalho. E da forma e do jeito que sempre sonhou. Sua batida no violão é marcante e está presente em todas as treze faixas do CD, instrumentais e cantadas. Não foi uma tarefa fácil definir o repertório e da mesma forma selecionar seus grandes amigos que participaram das gravações, entre eles: Leny Andrade em “Vivendo de Ilusão”, Claudio Roditi em “Batida Diferente”, o também saudoso Marcyo Montarroyos em “Chuva”, Osmar Milito em “Estamos Aí” e “Tristeza de Nós Dois”, Bebeto Castilho em “Moça Flor” e até sua filha Amanda Bravo, em “Nostalgia da Bossa”. Ao ouvir “Batida Diferente” você vai sentir um delicioso sabor de nostalgia e ao mesmo tempo de modernidade. Justa homenagem a este grande nome da Bossa Nova, que passou muitos anos à sombra do seu enorme talento.
“Um Cantinho, um Violão e Bossa Nova”
A frase é conhecida. Os temas escolhidos também. Porém as gravações são inéditas e feitas no clima característico da Bossa Nova. Uma atualização criativa e de extrema qualidade. Com forte destaque para as belas vozes do seus intérpretes e também vários timbres de violões. Lançado em 2008, pelo Selo Som Livre, o CD festeja os 50 anos do movimento reunindo uma constelação de estrelas num formato para lá de intimista. Os temas “Ela é Carioca” com Daniel Jobim e Ricardo Silveira, “Samba de Verão” com o genial Marcos Valle (num raro momento voz e violão), “Amanhecendo” com Emílio Santiago e Roberto Menescal e “Chega de Saudade” com Os Cariocas, Danilo Caymmi e Eloy Vicente, surpreendem bela beleza e sensibilidade e destaco como os meus preferidos.
Também estão no projeto os belos encontros de Leila Pinheiro e Guinga, Nana Caymmi e Hélio Delmiro, Joyce, Carlos Lyra, Kay Lira e Maurício Maestro, Mônica Salmaso e Dori Caymmi, Miúcha, Paulo Jobim e João Lyra, entre outros nomes de peso. Não é uma tarefa fácil revigorar a Bossa Nova, depois de João Gilberto ter revolucionado a nossa música quando gravou “Chega de Saudade” em 1958.Este disco prova que com critério e talento podemos dar uma nova roupagem a esses clássicos imortais. Valeu a pena e o resultado final é muito especial e marcante.