Clara Monforte

Olhos nos olhos com Margareth Menezes

13/06/2014
Olhos nos olhos com Margareth Menezes | Jornal da Orla
Margareth Menezes, que se apresentou semana passada no Sesc Santos, é, sem dúvida, uma artista completa. Entre os nomes mais respeitados que vieram da Bahia, sua música rompeu fronteiras e chegou a ser considerada, pelo “Los Angeles Times”, a “Aretha Franklin brasileira”. Em 27 anos de carreira e 15 trabalhos lançados pelas principais gravadoras brasileiras, ela ainda tem tempo de se engajar em causas sociais. Lidera o movimento “AfroPop Brasileiro”, que visa preservar e promover a cultura afro-brasileira, e criou a “Fábrica Cultural”, ONG que ajuda crianças e adolescentes carentes. 
 
Como é ser considerada “a Aretha Franklin brasileira”?
Uma grande honra. Aretha Franklin é uma das maiores divas da música mundial, ícone da música negra, dona de uma voz inigualável e de um suingue incrível. Fiz um show no Los Angeles Hall e foi uma super performance. No dia seguinte, o maior jornal de Los Angeles me fez o elogio. Fiquei muito feliz! Essas comparações nos fortalecem e nos fazem mais responsáveis diante da nossa profissão. 
 
Como começou a sua carreira artística?
Cantando no coral da Congregação Mariana da Boa Viagem, em Salvador. Aos 15 anos, ganhei dos meus pais meu primeiro violão. Aos 16, comecei a fazer teatro, o que só veio a fortalecer a minha verve musical. Não consigo criar essa fronteira entre o teatro e a música. As duas artes se completam. Todos os profissionais que têm o espaço cênico como ferramenta deveriam ter uma noção de aulas de teatro. Ele nos fortalece na nossa dinâmica de trabalho e nos ensina a usar o espaço transformador do palco, tirando maior proveito de sua magia.
 
De que maneira a música entrou na sua vida?
Tive a sorte de nascer no seio de uma família humilde, cruzamento de pescadores com gente do campo e, de ambas as partes, eles gostavam das artes. Por parte de minha mãe, veio a musicalidade e, por parte de meu pai, os contadores de histórias e as artes circenses. Éramos uma família simples, mas tínhamos acesso a um universo lúdico particular. Aos três anos, segundo minha mãe, pedi de presente um violão, que só ganhei aos 15, na condição de passar de ano sem recuperação. Esse foi um grande passo. Comecei a cantar na noite, em bares de Salvador, até gravar o meu primeiro LP single, com a música “Faraó”, em 1987. Hoje, além de mim, três dos meus irmãos trabalham com música: uma é cantora, outro é percussionista e outro é produtor musical.
 
Quando o seu repertório revela um pouco mais sobre você?
Sempre. A canção tem que tocar em algum lugar no meu sentimento. No referencial, no momento, na vibração, na letra. O que me encanta em uma música é o que ela me desperta ao ouvi-la. As imagens e sentimentos que ela me provoca. Não consigo cantar nada com que não me identifique.
 
Você acredita que o som feito na Bahia é rotulado, como apenas axé?
De jeito nenhum. O axé music é sim um rótulo que engloba muitas coisas da Bahia, mas não a encerra.
 
De onde vem tanta brasilidade na sua música?
Nós, artistas brasileiros, temos muita sorte de nascer nesse celeiro artístico que é o Brasil. Tantas culturas cruzadas em uma só base linguística, uma antropofagia caótica e, ao mesmo tempo palatável, nos marca. Essa abertura que temos para compactuar com todas as culturas e transformá-las em um formato que nos identifica é maravilhosa.
 
Por que você criou o movimento “AfroPop Brasileiro”?
Sempre que se fala em afro, sinto que a imagem que a maioria das pessoas tem é que o habitat natural do afro-brasileiro é o entorno da cidade, os bairros afastados e as cidadezinhas abandonadas dos sertões do país. Acontece que ser “AfroPop” é ser urbano e interagir com as coisas da contemporaneidade, independente do bairro em que se mora ou  da cor da pele. Este movimento mostra um pouco desta forma de ver a vida e de se relacionar com esse macrocosmo que é a cultura brasileira e foi criado com a finalidade de evidenciarmos essa fusão de sonoridades e comportamentos, cada vez mais presentes no nosso cotidiano. Já são sete anos de ensaios no verão e de carnaval. 
 
E o que falta? 
Apesar disso, sinto que ainda falta espaço, apoio e reconhecimento para as potencialidades da cultura afro. Por isso, sou defensora ve-emente de mais espaços para a nossa cultura maravilhosa, que está presente na nossa estética moderna, mas é pouco usada para representar nossa cara.
 
Durante cinco anos, você esteve sem gravadora, e resolveu criar seu próprio selo. Quando os artistas devem se tornar independentes e partir para o empreendedorismo? 
Continuo sem gravadora até hoje. Inclusive, meu último trabalho, o CD/DVD “Voz Talismã Ao Vivo” foi lançado pela minha produtora, que também é selo e editora. Tudo começou quando eu conheci Tim Maia. Foi um momento único falar com ele no camarim, e ele, sem nunca ter me visto, me pegou pelo braço e me levou para o palco. Cantou uma música em inglês e me botou para improvisar na chapa quente. Ele ficou ali dando risada, mas gostou. Quando terminou ele me disse: “Domingo vou dar um show na Urca, se quiser ir lá, lhe dou milzinho”. Achei aquilo muito interessante e, com o tempo, fui percebendo que o artista pode ser dono de seus próprios trabalhos. Por isso, criei a “Estrela do Mar”, que hoje também cuida da carreira de outros artistas baianos e tem parcerias com artistas de outros estados.